Friday 30 December 2016

BREL


Sinto crescer rápidas amendoeiras sobre o coração
e esta tristeza é mais súbita e profunda do que todas as outras
chegando com uma voz carregada de cansaços e de feridas
chamando por Jeff em mim que recuso a solidão
e procuro alguém com quem partilhar a ternura ou conversar um pouco;
essa voz que se me prendeu aos dedos e aos cabelos e me disse
por vezes as coisas mais insuportáveis
outras vezes dirigiu a minha angústia para o mar
e fez sentir-me frágil e perdido e quase deslumbrado
embebedando-me à mesa de um Bar do porto de Amesterdão
vagueando pelos canais em busca desse irmão marinheiro que jaz
de costas numa rua húmida
com a boca fria cheia de palavras inúteis e uma camisa de riscas
cor do céu
onde tu estarás agora desafiando o Coro dos Arcanjos
para que cante as tuas canções enquanto ris das próprias lágrimas

Num pequeno quarto abre-se do teu poster uma rua para o Mundo
e saberás através desse sorriso se acaso não te for possível assistir
que por aqui continuamos a construir fábricas e fábricas de Dinheiro
povoamos o Espaço com cabines envidraçadas à espera de encontrar
a Pedra Redonda do Poder
adoramos Napalm o deus das mil cabeças esfrangalhadas
enquanto no teu País Onde Nunca Chove se tocam ainda trémulas
mãos cobertas de Pérolas de Chuva
reinventando o amor e colocando no Prato Universal
a Chanson des Vieux Amants
num gesto clandestino e admirável de um Lento Suicídio Lírico
e eu como tu repito apalermado
Ne me quittes pas! Ne me quittes pas! Ne me quittes pas!

Joaquim Pessoa