Saturday 30 May 2015
*
o poema
é como um corpo.
se ao encostá-lo à pele
não te arrepiares,
não entres nele.
por esforço
não o entenderás,
nem lhe resgatarás
qualquer prazer.
João Costa
Wednesday 27 May 2015
Poema
Cantaremos o desencontro:
o limiar e o linear perdidos
Cantaremos o desencontro:
a vida errada num país errado
Novos ratos mostram a avidez antiga
Sophia de Mello Breyner Andresen
Sunday 24 May 2015
KING LEAR
Viaja entre línguas, o tradutor
na noite do presídio. Masmorra vigiada
é ainda o cenário
que séculos não mudaram
nas tragédias do Poder. O filial amor
de Cordélia, tem no óculo viajante
de idiomas, uma outra trágica
filiação, que excede os tempos
da Bretanha e de Peniche: a demanda
total da liberdade.
Inês Lourenço
(Poema dedicado a Álvaro Cunhal)
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Thursday 21 May 2015
LÍRICA SEM NEBLINA
Já nos versos dos Vedas,
há 2500 anos,
crepitavam as labaredas
dos problemas humanos.
Já então, quando as aves emigravam,
os homens não falavam de saudade,
mas simplesmente levantavam
uma canção à liberdade.
Então e sempre entrou a luta na poesia
como um pregão pela janela aberta
e enriqueceu-a dia a dia
numa perpétua descoberta.
Nem narcóticos, nem neblinas, nem adornos, nem véus,
pega o poeta em palavra, tijolos e argamassa,
e constrói um arranha-céus
que cada hora se ultrapassa.
E nesta maré de novo e de renovo,
movimento ascensional,
em cada poema o povo
põe a sua impressão digital.
Sidónio Muralha
Monday 18 May 2015
VULNERÁVEL
Tiro o resguardo do peito
entreabro o seu postigo
destranco as portas da alma
*
Derramo a luz onde era a calma
a casa aberta ao ladrão
sou vítima do que persigo
*
Dou-te as chaves se me pedes
escrevo do cofre o segredo
sou a sombra do meu medo
mas o meu susto desdigo
*
Chamo os linces que farejam
o sangue a dor e o vento
trago os chacais rastejando
por dentro do sofrimento
Maria Teresa Horta
Friday 15 May 2015
ROTEIRO
Parar. Parar não paro.
Esquecer. Esquecer não esqueço.
Se carácter custa caro
pago o preço.
Pago embora seja raro.
Mas homem não tem avesso
e o peso da pedra eu comparo
à força do arremesso.
Um rio, só se for claro.
Correr, sim, mas sem tropeço.
Mas se tropeçar não paro
- Não paro nem mereço.
E que ninguém me dê amparo
nem me pergunte se padeço.
Não sou nem serei avaro
- se carácter custa caro
pago o preço.
Sidónio Muralha
Tuesday 12 May 2015
Fado das Caldas
Calça justa bem esticada
Já manchada do selim
E plainas afiveladas
E plainas afiveladas
Antigamente era assim
Mantas de cor nas boleias
P’ras toiradas e p’ras ceias
De milorde aguisalhadaMantas de cor nas boleias
P’ras toiradas e p’ras ceias
À cabeça da manada
Trote largo e para a frente
Com os seus cavalos baios;
As pilecas eram raios
Fidalgos iam co'a gente
E p'la ponte da tornada
Por lá é que era o caminho
Bem conduzindo a manada
A passo, devagarinho
E quem mandava o campino
Era o mestre Vitorino
Praça cheia, toca o hino
Dos Gamas, toiro matreiro
Vitor Morais, o campino
Anadia, o cavaleiro
E que sortes bem rematadas
Havia nessas toiradas
Nos tempos eu que eu vivi
Findavam as brincadeiras
Nas barracas do Levi
Com dois tintos das Gaeiras
Entre cartazes e letreiros
De toiros e cavaleiros
Arnaldo Forte / Raúl Ferrão
Saturday 9 May 2015
PEQUENA BALADA DO SOLDADO ALIADO
Irá que o seu dever é ir.
Irá que assim lhe ordenaram.
Irá que é lá que está o inimigo.
Irá que o regime tem de cair.
Irá que a democracia deve impor-se.
Irá que uma nova ordem é precisa.
Irá que a vontade do povo não conta.
Irá que a paz faz-se com a guerra.
Irá que os mortos deles não se choram.
Irá que os vivos deles não se importam.
Irá que os filhos deles não são seus.
Irá que um herói deve lá estar.
Irá que Deus está com ele.
Irá que só Allah está com os outros.
Virá?
Joaquim Pessoa
Wednesday 6 May 2015
Voltar a ser criança
Guardei só a lembrança mais bonita
Do mundo de memórias que esqueci
Não fui eu que escolhi mas acredita
Que só me aconteceu lembrar de ti;
E a alma tudo esquece mas recita
Os versos que num dia te escrevi
Agora já nem sei o que a saudade
Pretende quando diz gostar de mim
Se lembrar-me de ti me dá vontade
De andar por entre as rosas do jardim;
E a vida que já vai pela metade
Acaba por não ter princípio ou fim
Mas para que a tristeza não regresse
Deixa que eu chegue ao fim desta canção
Que o nosso coração por vezes esquece
De dar valor ao que lhe está à mão
Não fui eu que escolhi mas acredita
Que só me aconteceu lembrar de ti;
E a alma tudo esquece mas recita
Os versos que num dia te escrevi
Agora já nem sei o que a saudade
Pretende quando diz gostar de mim
Se lembrar-me de ti me dá vontade
De andar por entre as rosas do jardim;
E a vida que já vai pela metade
Acaba por não ter princípio ou fim
Mas para que a tristeza não regresse
Deixa que eu chegue ao fim desta canção
Que o nosso coração por vezes esquece
De dar valor ao que lhe está à mão
Depois de eu te guardar nessa lembrança
Que nunca vai deixar de dar calor
Anda ser o meu par naquela dança
Que faz de nós dois, um só bailador;
É que ao dançar, eu volto a ser criança
E tu voltas para mim... oh meu amor
Que nunca vai deixar de dar calor
Anda ser o meu par naquela dança
Que faz de nós dois, um só bailador;
É que ao dançar, eu volto a ser criança
E tu voltas para mim... oh meu amor
Tiago Torres da Silva
Sunday 3 May 2015
SE EM PORTUGAL UM ESCRITOR...
Se em Portugal um escritor é largamente proclamado
com coros de louvores; e se é inteligente -
deve por certo começar a ter terríveis dúvidas
de ser alguma coisa de em verdade grande.
Porque a chamada crítica ou que se arroga tal
atira ciosamente lama e vómitos
a quem seja, senão grande, pelo menos digno
- numa ânsia de que o público imagine que a honradez
é um vício, e ser canalha uma virtude.
Jorge de Sena
Friday 1 May 2015
INDÓCIL
Não consigo ser sensata
com vagar aquietar-me
no covil das palavras
*
na colmeia dos versos
no forro de cobertura
onde se escondem as mágoas
*
Indócil não me permito
sossegar no rumor
nem fugir da minha vida
*
ignorando o fulgor
Maria Teresa Horta
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