as moscas vagueando pelas bocas dos famintos,
tornaram heróis quem lhes manda arroz à beira do prazo de validade,
quem usa na lapela um broche de caridade.
arrepiam-te os olhos esbugalhados da criança em sangue,
mas entorpece-te a habituação, toma-te uma certa vontade que se esgota
no anúncio do patrocinador do world press photo.
imunizam pela estética a revolta, volvendo-a piedade,
os ossos da miséria montam cadáveres pelos campos estéreis,
arrasados pelo napalm e fósforo da liberdade.
contemplação de um belo nascido do lodo que esconde
o que mais feio há na verdade.
que belo não é o choro, é o que o acaba.
não é a fome, mas o que alimenta.
belo não é o osso despido, mas a pele que o cobre,
belo não é carpir lamentações, é fazer revoluções.
Miguel Tiago