Wednesday 30 October 2019

CARABINA Nº 5767


Esta é a crónica de Félix Faustino Ferrán
e da ficha da sua carabina de miliciano da Pátria.
Féliz Faustino Ferrán, na fria noite de 19 de Janeiro,
junto às trincheiras da Revolução,
num lugar qualquer de Cuba,
recitou-me o breve e enorme poema
da sua carabina nº 5767.

Eu digo que é o mais luminoso, o mais profundo,
o mais musical e cintilante de todos os poemas
da Revolução!

Disse-o com a voz grave e quente de negro cubano,
com o seu sorriso claro e grande de negro cubano,
e era a Pátria inteira que falava,
com as palavras simples como flores de aço
do miliciano 1061.

Esqueci-me da origem, da primeira palavra.
Oiço a sua voz e vejo a mão
fechar-se com ternura de diamante invencível
no cano da sua carabina.
Surpreendido, escuto:

António o cano,
Viviana o guarda-mão,
Caruca o manipulador,
Filiberto o carregador,
Irene o tampão de gases,
Lucía o atirador
Fabián o travão,
e a culatra sou eu.

Em cada peça da carabina um filho,
em cada peça uma flor do seu sangue,
uma face de amor com fúria defendida.
Por eles, para eles!
Por todos! Para todos aqueles cujos nomes
estão em cada peça das carabinas milicianas,
a voz rouca do miliciano Félix Faustino Ferrán,
negro cubano, operário da Pátria e da sua glória,
na fria noite inolvidável do 19 de Janeiro,
junto às trincheiras da Revolução
onde eu lhe lia os poemas deste livro,
mostrou-me o coração da poesia.

Félix Pita Rodriguez
(In Poesia Cubana da Revolução)

Sunday 27 October 2019

REPORTAGEM ESPECIAL PELO DIA INTERNACIONAL DA MULHER


Uma mulher se inflama.
Vinte anos e um corpo cheio de fogo.
Seu ventre palpita
seus peitos brancos erguidos e abrasados.
Contorcem-se as ancas
e fervem as coxas.
Anh Dai
tem o corpo aceso pela chama.
Mas não é o amor.
É o napalm.

Minerva Salado
(In Poesia Cubana da Revolução)

Thursday 24 October 2019

NENHUMA PALAVRA TE FAZ JUSTIÇA


Tremor mais forte que a cópula,
companhia mais intensa do que a solidão,
conversa mais rica que o silêncio,
realidade mais estranha que o sonho,
verdade do dia e da noite,
céu colorido de bandeiras,
canção que não se detém,
razão de estar aqui:
Já vês que nenhuma palavra te faz justiça,
Revolução.

Roberto Fernández Retamar
(In Poesia Cubana da Revolução)

Monday 21 October 2019

VIAGEM ÀS TRINCHEIRAS


I
Os milicianos do meu povo mortos pelo invasor
eram sapateiros,
pedreiros,
músicos e cortadores de cana. Suas mães
eram as minhas mães.
O ódio
os assassinou.
Sofro,
olho para o horizonte onde os bárbaros
com canhões e aviões e bombas
se aprontam.

Que morra
um milhão de camponeses cubanos
não lhes importa. São,
como os japoneses de Hiroshima,
inferiores.
Agora comem, cantam,
esperam.

Os generais não escutam as águas.
Nunca assobiam aos simples pardais.

II
Sejas quem fores,
estejas onde estiveres,
não traias
este nobre jovem na praia
esperando o invasor.
Ele é nobre, é puro.
Não te sujes, não emporques
a água de todos. Não intrigues,
não corrompas, deixa a tua miserável
ambição, que sempre surge
onde o homem está,
e olha para ele:
é nobre, é puro.
Pronto a oferecer a sua vida jovem
por ti, por mim, por
todos. Sê recto e generoso. Sê para ele
como ele é para todos: fiel.

Samuel Feijóo
(In Poesia Cubana da Revolução)

Friday 18 October 2019

ACONTECE QUE NÓS


Acontece que nós
acontece que nós habitamos este mundo e esta ilha
que recomendamos como boa
acontece que meus pais e avós e todos os meus antepassados
que pisaram esta terra
acontece que chegámos apenas há pouco até este ponto
e que temos de continuar
acontece que todo o mundo nos conhece pelo nome desta ilha
e pelos discursos e frases e os mais compridos títulos
acontece que somos responsáveis pelos crimes mais justos
e as mais belas mentiras
e acontece que nos custou muito gurdar o que fizémos

a ver se um dia destes nos deixam em paz.


Víctor Casaus
(In Poesia Cubana da Revolução)

Tuesday 15 October 2019

POR ESTA LIBERDADE


Por esta liberdade de cantar à chuva
temos que dar tudo

Por esta liberdade de estarmos estreitamente unidos
ao firme e terno cerne do povo
temos que dar tudo

Por esta liberdade de girassol aberto na aurora das fábricas
acesas e escolas iluminadas
e de terra que range e criança que acorda
temos que dar tudo

Não há alternativa senão a liberdade
Não há outro caminho senão a liberdade
Não há outra pátria senão a liberdade
Não haverá poema sem a violenta música da liberdade

Por esta liberdade que é o terror
dos que sempre a violaram
em nome de faustosas misérias
Por esta liberdade que é a noite dos opressores
e a definitiva aurora de todo o povo já invencível
Por esta liberdade que ilumina as pupilas afundadas
os pés descalços
os telhados remendados
e os olhos das crianças que rebolam na poeira
Por esta liberdade que é o reino da juventude.
Por esta liberdade
bela como a vida
temos que dar tudo

se for necessário
até a própria sombra
e nunca será bastante.

Fayad Jamis
(In Poesia Cubana da Revolução)

Saturday 12 October 2019

CHE


Che, tu conheces tudo,
as voltas da Sierra,
a asma na erva fria,
a tribuna,
as ondas da noite,
até como se fazem
os frutos e os bois se jungem.

Não é que eu queira dar-te
caneta por pistola
mas o poeta és tu.

Miguel Barnet
(In Poesia Cubana da Revolução)

Wednesday 9 October 2019

TRAGÉDIA



Foi para a escola e aprendeu a ler
e as quatro operações, de cor e salteado.
Era um menino triste:
nunca brincou no largo.
Depois, foi para a loja e pôs a uso
aquilo que aprendeu
- vagaroso e sério,
sem um engano,
sem um sorriso.
Depois, o pai morreu
como estava previsto.
E o Senhor António
(tão novinho e já era «o senhor António»!...)
ficou dono da loja e chefe de família...
Envelheceu, casou, teve meninos,
tudo como quem soma ou faz multiplicação!...
E quando o mais velhinho
já sabia contar, ler, escrever,
o Senhor António deu balanço à vida:
tinha setenta anos, um nome respeitado...
- que mais podia querer?
Por isso,
num meio-dia de Verão,
sentiu-se mal.
Decentemente abriu os braços
e disse: - Vou morrer.
E morreu!, morreu de congestão!...

Manuel da Fonseca

Sunday 6 October 2019

ATÉ AMANHÃ, CAMARADAS


Assim passei o meu dia de ontem, dia de reflexão:
De manhã fui ao café, tomei o pequeno almoço, li jornais, reflecti...
Depois, dei uma volta pela blogosfera, postei uns posts, visitei os meus blogs preferidos, em alguns dos quais deixei comentários. Almocei. Reflecti...

A seguir, ouvi música. Música recorrente: o Adriano («Gente de Aqui e de Agora» e «Que Nunca Mais»); e «Trovas do Tempo que Passa - Samuel Canta Adriano» - cd que me foi oferecido aqui há uns meses e que me confirma inequivocamente que Adriano «foi um dos homens que fizeram cantar» bem. Reflecti...
Seguiram-se alguns daqueles «clássicos» a que recorro com frequência - por isso lhes chamo recorrentes...: Beethoven (a recorrentíssima Quinta); Mahler (a Nº 2, a da Ressurreição, que Jorge de Sena ouviu assim:
«Ante este ímpeto de sons e de silêncio
Ante tais gritos de furiosa paz
Ante um furor tamanho de existir-se eterno
Há portas no infinito que resistam?»
Não há: reflecti.

E por aqui andei, saltitando recorrentemente do Jorge de Sena para o Armindo, deste para o Zé Gomes... - sempre reflectindo...

Á noite fui ao futebol - pela primeira vez, este ano.
Ver a Luz a (quase) encher é um espectáculo. Ver o Benfica ganhar é O espectáculo. Ouvir os cânticos e os gritos da multidão - «Assim se vê a força do SLB!» - dá para... reflectir...

De regresso a casa - obviamente, em estado de reflexão... - vi dois filmes, tirados à sorte do meio de uma dezena de recorrentes...: «O Mundo a seus pés» que me proporcionou demorada reflexão...; e o «Cinema Paraíso», que cumpriu o seu destino de me fazer chorar - lágrimas boas: de ternura, de tristeza, de alegria, de amargura, de felicidade... - e reflecti.

............................................................


Agora, vou votar.
Com a convicção profunda de que o meu voto será um dos que contribuirão para que a CDU atinja o seu objectivo principal: uma votação maior do que a obtida nas anteriores legislativas.
Com a certeza de que - independentemente de esse objectivo ser ou não alcançado - amanhã, segunda-feira, A LUTA CONTINUA.

Até amanhã, camaradas.

Por à(s) 27.9.09

Thursday 3 October 2019

O vento na Ilha


O vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.

Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me para longe.

Esconde-me em teus braços
por esta noite apenas,
enquanto a chuva abre
contra o mar e contra a terra
a sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me para longe.

Com tua fronte na minha
e na minha a tua boca,
atados os nossos corpos
ao amor que nos abrasa,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e procure
galopando na sombra,
enquanto eu, submerso
sob os teus grandes olhos,
por esta noite apenas
descansarei, meu amor.

Pablo Neruda
in "Os versos do Capitão"

Tuesday 1 October 2019

O Oleiro


Há em todo o teu corpo
uma taça ou doçura a mim destinada.

Quando levanto a mão
encontro em cada lugar uma pomba
que andava à minha procura, como
se te houvessem, meu amor, feito de argila
para as minhas mãos de oleiro.

Os teus joelhos, os teus seios,
a tua cintura,
faltam em mim como no côncavo
duma terra sedenta
a que retiraram
uma forma,
e, juntos,

estamos completos como um só rio,
como um só areal.

Pablo Neruda,
in "Os Versos do Capitão"