Sunday 30 August 2009

(AO DEIXAR NOVA IORQUE)

Escapei aos tigres,
alimentei percevejos,
fui devorado
pelas mediocridades.

Bertold Brecht

Thursday 27 August 2009

HOLLYWOOD

Todas as manhãs, pra ganhar o pão,
vou ao mercado onde se compram mentiras.
Cheio de esperança
meto-me na bicha dos vendedores.

Bertold Brecht

Monday 24 August 2009

RESOLUÇÃO DOS COMUNEIROS

Considerando a nossa debilidade,
fazeis leis para nos avassalar.
No futuro as leis não serão cumpridas
considerando que não queremos continuar ser vassalos.

Considerando pois que
nos ameaçais com fuzis e canhões,
concordámos em temer, mais do que à morte,
esta vida amarga que levamos.

Considerando que ficamos com fome
enquanto permitimos que nos roubem,
vamos comprovar que só as montras
no separam do bom pão que nos falta.

Considerando pois que
nos ameaçais com fuzis e canhões,
concordámos em temer, mais do que à morte,
esta vida amarga que levamos.

Considerando que estão aqui a casas
enquanto nos deixais sem abrigo,
concordámos em mudar-nos para elas
porque não estamos cómodos nestes casebres.

Considerando pois que
nos ameaçais com fuzis e canhões,
concordámos em temer, mais do que à morte,
esta vida amarga que levamos.

Considerando que existe demasiado carvão
enquanto nós, sem carvão, gelamos,
concordámos em ir buscá-lo agora mesmo
considerando que assim podemos aquecer-nos.

Considerando pois que
nos ameaçais com fuzis e canhões,
concordámos em temer, mais do que à morte,
a vida amarga que levamos.

Considerando que não conseguis
oferecer-nos um bom salário,
tomámos a nosso cargo as fábricas
considerando que sem vós podemos bastar-nos.

Considerando pois que
nos ameaçais com fuzis e canhões,
concordámos em temer, mais do que à morte,
a vida amarga que levamos.

Considerando que não confiamos
no que sempre promete o governo,
acordámos, sob nossa própria direcção,
tornar a nossa vida feliz a partir deste momento.

Considerando que só obedeceis aos canhões
- e não conseguis compreender outra linguagem -
vemo-nos obrigados, e isso sim, valerá a pena,
a assestar contra vós os canhões!

Bertold Brecht

Friday 21 August 2009

O CÃO

Diz-me o meu jardineiro: O cão
é robusto e esperto e foi comprado
para guardar hortas. Mas eles
fizeram dele o amigo do homem.
P'ra que é
que lhe dão de comer?

Bertold Brecht

Tuesday 18 August 2009

EXPULSO, E COM RAZÃO

Eu cresci como filho
de gente abastada. Os meus pais puseram-me
um colarinho ao pescoço e criaram-me
nos costumes de ser servido
e ensinaram-me a arte de mandar. Mas
quando era já crescido e olhei à minha roda,
não me agradou a gente da minha classe,
nem o mandar nem o ser servido.
E eu abandonei a minha classe e juntei-me
à gente pequena.

Assim
criaram eles um traidor, educaram-no
nas suas artes, e ele
atraiçoa-os ao inimigo.

Sim, eu divulgo segredos. Entre o povo
estou eu e explico
como eles enganam, e predigo o que vai vir,
pois eu estou iniciado nos seus planos.
O latim dos seus padres corruptos
traduzo-o palavra a palavra para a língua comum,
e então se descobre que é tudo pantomina.
A balança da sua justiça
tiro-a para baixo e mostro
os pesos falsos. E os seus informadores vão dizer-lhes
que eu estou com os roubados quando conjuram
a revolta.

Admoestaram-me e tiraram-me
o que ganhei com o meu trabalho.
E quando não melhorei,
deram-me caça,
porém já só havia
escritos em minha casa, que descobriam
os seus conluios contra o povo. E assim
perseguiram-me com um mandato de captura
que me acusava de opiniões baixas, isto é:
de opiniões dos de baixo.

Aonde chego, fico marcado
para todos os possidentes, mas os que nada têm
lêem o mandato e
dão-me abrigo. «A ti» - ouço eu dizer -
«Expulsaram-te eles,
e com razão».

Bertold Brecht

Saturday 15 August 2009

ENTERRO DO AGITADOR NO CAIXÃO DE ZINCO

Aqui, neste caixão de zinco,
jaz um homem morto.
Ou as suas pernas e a cabeça
ou ainda menos
ou nada, pois ele era
um agitador.

Foi reconhecido como causa primeira do Mal.
À vala com ele! O melhor é
que só a mulher o acompanhe à esterqueira,
pois quem quer que o acompanhe
fica também marcado.

Isso aí no caixão de zinco
instigou-vos a muitas coisas:
a comer a fartar
e a morar debaixo de telha
e a alimentar os filhos
e a exigir o salário até ao último vintém
e à solidariedade com todos
os oprimidos vossos iguais e
a pensar.

Isso aí no caixão de zinco disse
que era preciso um outro sistema de produção
e que vós, as massas de milhões do trabalho,
tínheis que tomar conta do mando.
E que antes disso nada melhoraria para vós.

E porque isso que aí está no caixão de zinco disse isso
por isso acabou no caixão de zinco e vai ser atirado à cova
como um agitador que vos incitou.
E quem quer que fale de comer a fartar
e quem quer de entre vós que queira morar debaixo de telha
e quem quer de entre vós que exija o último vintém do salário
e quem quer de entre vós que queira sustentar os filhos
e quem quer que pense e se declare solidário
com todos os que são oprimidos,
esse virá, desde agora até à eternidade,
a acabar no caixão de zinco como esse,
como um agitador, e será atirado à vala.

Bertold Brecht

Wednesday 12 August 2009

O NOVO SUDÁRIO

Quando o Grande das chagas em sangue caminhava
culpado de o ter tolerado
vindo de um esbirro para outro esbirro,
chegou-se a ele sacudindo a cabeça um senhor anafado
a cheirar um pouco a almíscar da Índia.
Tirou da carteira recheada um papel
e diante do povo estendeu-o ao das chagas em sangue.
E diante do povo que aclamava
o das chagas limpou paciente
o seu suor, e o anafado
tirou-lhe de novo o papel em que agora
estava retratada a face do Chagado,
agitou-o perante a turba
e mandou-o
para a Casa da Moeda.

Bertold Brecht

Sunday 9 August 2009

OS GRANDES

Os Grandes
reuniram-se numa sala.
Homem da rua,
abandona toda a esperança.

Os governos
escrevem pactos de não-agressão.
Homem pequeno,
escreve o teu testamento.

Bertold Brecht

Thursday 6 August 2009

À MORTE DE UM LUTADOR PELA PAZ

O que não se rendeu
foi abatido.
O que foi abatido
não se rendeu.

A boca que admoestava
foi tapada com terra.
A aventura sangrenta
começa.
Sobre a cova do amigo da paz
calcam os canhões.

Foi então vã a luta?

Se aquele que não lutou sozinho, foi abatido
o inimigo
ainda não venceu.

Bertold Brecht

Monday 3 August 2009

Estamos sozinhos no Universo!

Todas as noites toca um telefone na Lua.

Sou eu, sou eu a marcar o número automático dos poetas de hoje
para gritar cá de baixo em código de astros:

Está lá? Está lá? Aqui Terra, zero, zero, zero, zero, zero.
S.O.S! Fome, ódio de mil pata, tiranos com cutelos de cinzas,
bandeiras de pele humana, olhos furados de cardos,
mortos que só vêem o céu através dos caminhos das raízes
- e as mães a baterem nos filhos
para lhes ensinarem a instrução primária das lágrimas.
Aqui escravos, preguiça, azorragues de chumbo derretido,
exportação de tédio dos palácios dos ricos, carregamentos de bocejos,
suor em latas para discursos de demagogos,
mordaças com restos de bocas de cadáveres,
fúria de túmulos, guerra, raptos, incestos, automóveis imbecis,
saques, mandíbulas nos olhos a roerem o azul
- e os dedos de súbito de ferro-em-brasa nos seios das mulheres,
lodo de sol aparente
que continuam a ser deusas nos jantares de cerimónia
com os colos luzidios das horas empertigadas.
Aqui planeta zero, zero, nada, torres de musgo,
punhais a rasgarem noites em vez de chagas,
países de arame farpado, vulcões de sangue,
batalhas trespassadas do frio dos esqueletos concretos
- e ainda por cima a carne das mulheres só é real um momento,
um momento apenas
e em vão tentamos fixá-la com um sopro de frio
no rasto deste defunto com um caixão às costas
cheio de corações vivos.

S.O.S! S.O.S!

Fantasmas de todos os planetas! Fantasmas de todos os planetas!
Saltai em pára-quedas no silêncio que há por dentro do silêncio
e vinde salvar-nos!

Vinde salvar os homens
para aqui abandonados ao pesadelo de si mesmos,
só a serem homens,
homens apenas,
homens sempre,
de manhã até à noite,
semi-homens,
infra-homens,
super-homens,
ex-homens...
E fartos, fartos, fartos, fartos, fartos, fartos
desta desistência
de já nem quererem ser deuses!

Nem de transformarem os cavalos em relâmpagos!


José Gomes Ferreira

Saturday 1 August 2009

CANÇÃO DE LÍDICE

Irmão, é a hora,
apronta-te agora,
passa a outras mãos a invisível bandeira!
No morrer, não diferente do que na vida inteira,
não irás render-te a estes, companheiro bravo.
Estás hoje vencido, e és por isso escravo,
mas a guerra só acaba com a última batalha,
a guerra não acaba antes da última batalha.

Irmão, é a hora,
apronta-te agora,
passa a outras mãos a invisível bandeira!
Violência ou Justiça e a balança vacila,
mas, passada a servidão, outro dia cintila.
Estás hoje vencido, mas a coragem não te falha.
Que a guerra só acaba com a última batalha
que a guerra não acaba antes da última batalha

Bertold Brecht