Saturday 27 February 2016
Comício
Oh! esta comoção
de me sentir sozinho
no meio da multidão
- a ouvir o meu coração
no peito do vizinho.
Oh! esta solidão
quente como a camaradagem do vinho!
José Gomes Ferreira
Wednesday 24 February 2016
ANNA IMROTH
Cruza-lhe os braços sobre o peito - assim.
Endireita-lhe um pouco mais as pernas - assim.
E chama o carro para que a leve a casa.
A mãe dela há-de chorar,
e também as irmãs e os irmãos.
Mas os outros salvaram-se todos: foi ela a única
rapariga da fábrica que não teve sorte
ao saltar cá para baixo
quando o fogo irrompeu.
Andou aqui a mão de Deus -
e a falta de uma saída de emergência
Carl Sandburg
Sunday 21 February 2016
PAZ
Paz a não há na morte.
Na morte não há nada.
Paz a não há senão
no que é próspero e farto.
Paz é a aplicação
no trabalho salubre.
Paz é a segurança
da amizade na luta.
Armindo Rodrigues
Na morte não há nada.
Paz a não há senão
no que é próspero e farto.
Paz é a aplicação
no trabalho salubre.
Paz é a segurança
da amizade na luta.
Armindo Rodrigues
Thursday 18 February 2016
SEIS QUADRAS
Sou um dos membros malditos
dessa falsa sociedade
que, baseada nos mitos,
pode roubar à vontade...
Tu que vives na grandeza,
se calçasses e vestisses
daquilo que produzisses,
andavas nu, com certeza.
O pouco que te sobeja
dás mas a gente percebe
que isso é mais p'ra quem te veja
do que p'ra quem o recebe.
Numa ambição desmedida
a gente grande quer ter
dois céus: - um cá nesta vida,
outro depois de morrer.
Os que vivem na grandeza
dizem, vendo alguém subir:
- há que manter a pobreza,
p'rá grandeza não cair.
Tu fazes a vida inteira
esgares junto ao altar,
porque vês nisso a maneira
de viver sem trabalhar.
António Aleixo
Monday 15 February 2016
PAZ
Paz de pão,
de alegria
e de fraternidade,
é a única inteira, é a única livre
e só ela merece o combate comum.
Armindo Rodrigues
de alegria
e de fraternidade,
é a única inteira, é a única livre
e só ela merece o combate comum.
Armindo Rodrigues
Friday 12 February 2016
Bastava-nos amar
Bastava-nos amar.
e não bastava o mar. e o corpo? o corpo que se enleia?
o vento como um barco: a navegar. pelo mar. por um rio ou uma veia.
bastava-nos ficar. e não bastava o mar a querer doer em cada ideia.
já não bastava olhar. urgente: amar.
e ficar. e fazermos uma teia.
respirar. respirar.
até que o mar pudesse ser amor em maré cheia.
e bastava. bastava respirar
a tua pele molhada de sereia.
bastava, sim, encher o peito de ar.
fazer amor contigo sobre a areia.
Joaquim Pessoa
já não bastava olhar. urgente: amar.
e ficar. e fazermos uma teia.
respirar. respirar.
até que o mar pudesse ser amor em maré cheia.
e bastava. bastava respirar
a tua pele molhada de sereia.
bastava, sim, encher o peito de ar.
fazer amor contigo sobre a areia.
Joaquim Pessoa
Tuesday 9 February 2016
QUEM TEM MEDO DA PAZ
Quem tem medo da paz
tem medo do amor,
tem medo do que faz,
tem medo do que pensa,
tem medo de saber,
tem medo de supor,
tem medo de deixar
que um entusiasmo o vença,
tem medo de perder,
tem medo de ganhar,
tem medo de ofender
sem intenção de ofensa,
tem medo de pesar,
tem medo do prazer,
tem medo até de estar
na sua só presença.
Armindo Rodrigues
tem medo do amor,
tem medo do que faz,
tem medo do que pensa,
tem medo de saber,
tem medo de supor,
tem medo de deixar
que um entusiasmo o vença,
tem medo de perder,
tem medo de ganhar,
tem medo de ofender
sem intenção de ofensa,
tem medo de pesar,
tem medo do prazer,
tem medo até de estar
na sua só presença.
Armindo Rodrigues
Saturday 6 February 2016
Romper do dia
Não é em vão
que o romper de cada novo dia
se inaugura pelo cantar do galo,
denunciando já de antigos tempos,
uma traição.
Brecht
Wednesday 3 February 2016
CANÇÃO
Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?
Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?
Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz o pedir
- mãe, dou-lho ou não?
Eugénio de Andrade
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?
Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?
Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz o pedir
- mãe, dou-lho ou não?
Eugénio de Andrade
Monday 1 February 2016
ANTI-ANNE FRANK
Esta criança esquálida,
de riso obsceno e olhares alucinados,
nunca apertou nas mãos a fria face pálida,
nunca sentiu, na escada, as botas dos soldados,
nunca enxugou as lágrimas que aniquilam e esgotam,
nunca empalideceu com o metralhar de um tanque,
nem rastejou num sótão,
nem se chama Anne Frank.
Nunca escreveu diário nem nunca foi à escola,
nem despertou o amor dos editores piedosos.
Nunca estendeu as mãos em transes dolorosos
a não ser nos primores da técnica da esmola.
Batem-lhe, pisam-na, insultam-na, sem que ninguém se importe.
E ela, raivosa e pálida,
morde, estrebucha, cospe, odeia até à morte.
Pobre criança esquálida!
Até no sofrimento é preciso ter sorte.
António Gedeão
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