Tuesday 27 February 2024

- sem título -

sob as pedras hoje
descansarão as águas antes de encherem os rios.

é outono, já?

é outono.

Miguel Tiago

Saturday 24 February 2024

sopro

tu és o meu sopro.

é ainda e será sempre nos teus lábios
que morro em constantes explosões,
ou que vivo em apertos desmedidos.

é no teu peito que descanso,
que me deixo,
mas que saudavelmente me canso,
ofegante sereno pleno.

como o teu olhar me sustém o fôlego
e é simultaneamente o ar que respiro.

Miguel Tiago

Wednesday 21 February 2024

chuva

com a chuva lá fora,
posso eu faltar aos versos,
ou as estrofes pulsantes ficarem molhadas pelo chão,
mas sei que a mim
não faltará jamais a poesia.

árvore frondosa, terra fértil,
que renasce da morte das folhas do outono,
e ganha a força do vento em meses de maresia.

Miguel Tiago

Sunday 18 February 2024

a rapariga e a raposa

 haverá no mundo poucas coisas que nos façam estremecer ante a maravilha.
porventura é até difícil dizer-lhes os nomes. bem sei que nos filmes, os nomes que não se dizem são os do mal puro, mas não é menos verdade que não se diz em vão o nome de deus.

num dia de primavera, em que o céu aberto abraçava aquela humidade que fica no cume das montanhas pela manhã e o sol teimava em se vir insinuando sobre a escuridão do inverno húmido, a poesia caminhou no nosso mundo e, como na mais bela pintura, sobre o verde da Serra, longos cabelos negros ondularam no suave vento que descia a encosta a norte. o cheiro a rosmaninho e os pontos vermelhos do medronho afirmam-se no fundo verdejante que nasce no suão mediterrânico.

quando ela se sentou numa pedra pediu à Arrábida que lhe contasse os segredos, que partilhasse as riquezas, como se quisesse ligar-se a cada pedra, cada gruta ou estalactite, cada pequena árvore ou grande carvalho. conta-me os teus segredos, pediu-lhe. e a Arrábida contou-lhos, num murmúrio secreto.

um murmúrio que era afinal cada uma das batidas do seu coração.

com as mãos sobre a pedra, e o cabelo desvendando um sorriso puro, sentiu mais profundo cada pulsar do ar, da terra, do mar.

uma raposa, sentou-se, algo hesitante, mesmo a seu lado. conta-me os teus segredos, disse-lhe. e a rapariga contou.

Miguel Tiago

Thursday 15 February 2024

o que isto não é

não, isto não é um arranjo de letras.
embora legítimo fosse.
não, isto não um verso perfeito,
nem uma rima rica.
embora quisesse a rima deixar de ser pobre.

Miguel Tiago

Monday 12 February 2024

poética

em cada letra, a alma viva
e em cada verso o sangue.

Miguel Tiago

Friday 9 February 2024

luta de classes

não há represas que contenham o caudal dos rios humanos.

Miguel Tiago

Tuesday 6 February 2024

crysis

 esta é a guerra mais sangrenta,
cujas armas são nada mais nada menos
que o teu próprio pensamento.

este é o inverno financeiro e turbulento
que pagarás não em juros mas em sofrimento.

durará tanto quanto queiram as forças dos homens,
ou quanto possam? ainda não sei.

só sei, sim isso sei, que nunca cessa a resistência,
nunca encontram terras virgens desprotegidas,
que enquanto nos cegam, uns tantos rompem as vendas,
e a escuridão.

e certas batalhas ganham-se por se travar.

Miguel Tiago

Saturday 3 February 2024

vazio

 

faço minhas as palavras do silêncio
e calo os gritos do tempo,
faço meus os gestos do vazio
e quedo-me no centro do universo.

Miguel Tiago

Thursday 1 February 2024

à custa das lágrimas

 

sob os sorrisos dessa gente,
falsa,
escondem-se as lágrimas das gentes,
verdadeiras.

Miguel Tiago