Thursday 30 April 2020

Luta

A vida afronta, face a face, e luta!
Do inimigo o vigor não te intimide;
De firme braço e de alma resoluta,
Antes que sejas agredido, agride!


Afronta, a frio, calmo, a força bruta;
Nunca deixes insulto sem revide.
E fraco, embora, no calor da luta,
Não mostres, nunca, que tens medo à lide.

Vencer ou ser vencido - eis o dilema
Na existência - do instante da partida
Até chegar da estrada à meta extrema.

Não te humilha a batalha, por perdida;
"Lutar ainda!" eis, do homem forte, o lema,
Pois a vida sem luta é a morte em vida!

Bastos Tigre

Monday 27 April 2020

Clamor contra os que me forçam a ser mais pequeno do que sou


E ainda por cima
me obrigam a odiar bandeiras exactas
e a embalar a superfície das coisas.

José Gomes Ferreira

Friday 24 April 2020

Ao António Ramos


Folha que escuta o vento o som do muro
erguido ao sol da erva nuvem clara
feita o instante verde a pedra rara
sobre o anel do tempo e do futuro.


Boca do ar espuma das palavras
na janela do fogo abelha dura
voando sobre os beijos mão que lavras
na polpa das cerejas a mais pura

morte que se escreve com a mágoa
do medo sobre o rosto a longa asa
rasando os lábios soltos pela água
de quem faz com versos uma casa.

Joaquim Pessoa
in POEMAS DE PERFIL, 1975

Tuesday 21 April 2020

AS MÃES


Depois de morrer, as mães vivem no céu da boca, ainda atarefadas com o amor. "Sou mulher", dizem, e tudo é criança nas suas palavras, sangue jovem glorificado pelos amantes
que tiveram em vida, um sangue contente capaz de regressar para sorrir nas nossas mãos e no coração das perguntas que em nós não conseguirão nunca adormecer.

As mães não param de arder no pensamento, como raparigas
que deixaram de ser jovens e são agora as mais jovens de todas as mulheres.
Há nelas uma canção cuja música é de seda e veste a vontade de cantar os versos que amadurecem a carne, pobres versos
repartidos filho a filho, dor a dor, até não doer nem haver
mais nada.
As mães são árvores enormes, onde cantam os pássaros
do arrependimento, fabulosos pássaros que têm exactamente a nossa idade.
Amo as mães. Amo as mães. Com o coração dos livros e o coração da terra.
E a minha memória é uma floresta onde vivem as mães, onde dormem as mães com o medo infantil das tempestades.

Joaquim Pessoa

Saturday 18 April 2020

Não te rendas

Não te rendas, ainda estás a tempo de alcançar e começar de novo,
aceitar as tuas sombras, enterrar os teus medos,
largar o lastro, retomar o voo.
Não te rendas que a vida é isso: continuar a viagem,
perseguir os teus sonhos, destravar os tempos,
arrumar os escombros, e destapar o céu.
Não te rendas, por favor, não cedas, ainda que o frio queime,
ainda que o medo morda, ainda que o sol se esconda, e se cale o vento:
ainda há fogo na tua alma, ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque a vida é tua, e teu é também o desejo,
porque o quiseste e eu te amo, porque existe o vinho e o amor,
porque não existem feridas que o tempo não cure.
Abrir as portas, tirar os ferrolhos, abandonar as muralhas que te protegeram,
viver a vida e aceitar o desafio, recuperar o riso, ensaiar um canto,
baixar a guarda e estender as mãos,
abrir as asas e tentar de novo, celebrar a vida e relançar-se no infinito.
Não te rendas, por favor, não cedas:
mesmo que o frio queime, mesmo que o medo morda,
mesmo que o sol se ponha e se cale o vento,
ainda há fogo na tua alma, ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque cada dia é um novo início,
porque esta é a hora e o melhor momento.
Porque não estás só, por eu te amo.


Mário Benedetti

Wednesday 15 April 2020

AINDA NÃO

Ainda não há dinheiro para partir de vez
não há espaço de mais para ficar
ainda não se pode abrir uma veia
e morrer antes de alguém chegar

ainda não há uma flor na boca
para os poetas que estão aqui de passagem
e outra escarlate na alma
para os postos à margem

ainda não há nada no pulmão direito
ainda não se respira como devia ser
ainda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos horóis a valer

ainda não é a pátria que é uma maçada
nem estar deste lado que custa a cabeça
ainda não há uma escada e outra escada depois
para descer à frente de quem quer que desça

ainda não há camas só para pesadelos
ainda não se ama só no chão
ainda não há uma granada
ainda não há um coração


António José Forte

Sunday 12 April 2020

*

Em mim não há repouso nem certeza,
tudo se desfaz num íntimo pudor.
Sou a vela acesa
dos deuses ignotos duma religião menor.

Onde não há substância nem altura
nem sequer vontade de o ser,
o que resta são gestos de loucura
com archotes rendidos a arder.

E o horizonte é perto e sem caminho
e eu marcando a minha posse,
desfeito em fumo e solidão,

cumpro-me patético, sozinho,
como se arder não fosse
apenas combustão.

Carlos Carranca,
IPO, 28 de Julho de 2019

Thursday 9 April 2020

Voy a dormir

Dientes de flores, cofia de rocío,
manos de hierbas, tú, nodriza fina,
tenme prestas las sábanas terrosas
y el edredón de musgos escardados.
Voy a dormir, nodriza mía, acuéstame.
Ponme una lámpara a la cabecera;
una constelación, la que te guste;
todas son buenas: bájala un poquito.
Déjame sola: oyes romper los brotes…
te acuna un pie celeste desde arriba
y un pájaro te traza unos compases
para que olvides… Gracias. Ah, un encargo:
si él llama nuevamente por teléfono
le dices que no insista, que he salido…
 
Alfonsina Storni

Monday 6 April 2020

Soy

Soy suave y triste si idolatro,
puedo bajar el cielo hasta mi mano cuando
El alma de otro al alma mía enredo.
Plumón alguno no hallarás más blando.
Ninguna como yo las manos besa,
Ni se acurruca tanto en un ensueño,
Ni cupo en otro cuerpo, así pequeño,
Un alma humana de mayor terneza.
Muero sobre los ojos, si los siento
Como pájaros vivos, un momento,
Aletear bajo mis dedos blancos.
Sé la frase que encanta y que comprende
Y sé callar cuando la luna asciende
Enorme y roja sobre los barrancos.

Alfonsina Storni

Friday 3 April 2020

Un sol

Mi corazón es como un dios sin lengua,
Mudo se está a la espera del milagro,
He amado mucho, todo amor fue magro,
Que todo amor lo conocí con mengua.
He amado hasta llorar, hasta morirme.
Amé hasta odiar, amé hasta la locura,
Pero yo espero algún amor natura
Capaz de renovarme y redimirme.
Amor que fructifique mi desierto
Y me haga brotar ramas sensitivas,
Soy una selva de raíces vivas,
Sólo el follaje suele estarse muerto.
¿En dónde está quien mi deseo alienta?
¿Me empobreció a sus ojos el ramaje?
Vulgar estorbo, pálido follaje
Distinto al tronco fiel que lo alimenta.
¿En dónde está el espíritu sombrío
De cuya opacidad brote la llama?
Ah, si mis mundos con su amor inflama
Yo seré incontenible como un río.
¿En dónde está el que con su amor me envuelva?
Ha de traer su gran verdad sabida…
Hielo y más hielo recogí en la vida:
Yo necesito un sol que me disuelva.

Alfonsina Storni

Wednesday 1 April 2020

Alma desnuda

Soy un alma desnuda en estos versos,
Alma desnuda, que angustiada y sola,
Va dejando sus pétalos dispersos.
Alma que puede ser una amapola,
Que puede ser un lirio, una violeta,
Un peñasco, una selva y una ola.
Alma que como el viento vaga inquieta,
Y ruge cuando está sobre los mares,
Y duerme dulcemente en una grieta.
Alma que adora, sobre sus altares,
Dioses que no se bajan a cegarla;
Alma que no conoce valladares.
Alma que fuera fácil dominarla
Con sólo un corazón que se partiera
Para en su sangre cálida regarla
Alma que cuando está en la primavera
Dice al invierno que demora: vuelve,
Caiga tu nieve sobre la pradera.
Alma que cuando nieva, se disuelve
En tristezas, clamando por las rosas
Con que la primavera nos envuelve.
Alma, que a ratos, suelta mariposas
A campo abierto, sin fijar distancia,
Y les dice: libad sobre las cosas.
Alma que ha de morir de una fragancia,
De un suspiro, de un verso en que se ruega,
Sin perder, a poderlo, su elegancia.
Alma que nada sabe y todo niega.
Y negando lo bueno el bien propicia,
Porque es negando como más se entrega.
Alma que suele haber como delicia
Palpar las almas, despreciar la huella,
Y sentir en la mano una caricia.
Alma que siempre disconforme de ella,
Como los vientos vaga, corre y gira;
Alma que sangra y sin cesar delira
Por el oro precioso de una estrella.

Alfonsina Storni