Vai-te poesia!
Deixa-me ver friamente
a realidade nua
sem ninfas de iludir
ou violinos de lua.
Vai-te, Poesia!
Não transformes o mundo
descarnado e terrível
num céu de esquecer
com mendigos de nuvens
famintos de estrelas
e feridas a cheirarem a cravos
- enquanto os outros, os de carne verdadeira,
uivam em vão
a sua fome de cadeias
e de pão.
Vai-te, Poesia!
Deixa-me ver a vida
exacta e intolerável
neste planeta feito de carne humana a chorar
onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos
com bandeiras de lume nos olhos,
para fabricar sonhos
carregados de dinamite de lágrimas.
Vai-te, Poesia!
José Gomes Ferreira
Friday 27 February 2009
Tuesday 24 February 2009
Cavalo à solta
Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve, breve
instante da loucura
Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa
Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo
Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.
Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo
Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve, breve
instante da loucura
Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa
Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo
Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.
Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo
Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura
Saturday 21 February 2009
Joelho
Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho
Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio
Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo
Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo
Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo
E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento
Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas
Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas
Maria Teresa Horta
demorado
no topo do teu joelho
Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio
Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo
Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo
Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo
E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento
Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas
Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas
Maria Teresa Horta
Wednesday 18 February 2009
Poema
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
Mário Cesariny
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
Mário Cesariny
Sunday 15 February 2009
Novembro
O sabor dos derradeiros dias
Roda ainda na casa e pela rua
Folhas vermelhas gemem por morrer
Mas nós não nos lembramos
O inverno varre o céu e enche
O mundo inteiro de um sonho de vazio
Temos de estar sós e não ter nada
Horas sem fim na casa inabitada
Parece que partimos. Cada dia
Mais, profundo na noite se aprofunda
E nós queremos partir - todos os cantos
Empalidecem ao pé desta descida
Até às pedras geladas do silêncio
Olhamos à janela de olhos fitos
Longe a claridade além dos rios
Queremos ir com o vento com o perigo
Queremos a injustiça do castigo
Somos nós que a nós mesmos nos matamos
E com mais amor do que quando amamos
Sentimos sobre nós descer o frio
Sophia de Mello Breyner Andresen
Roda ainda na casa e pela rua
Folhas vermelhas gemem por morrer
Mas nós não nos lembramos
O inverno varre o céu e enche
O mundo inteiro de um sonho de vazio
Temos de estar sós e não ter nada
Horas sem fim na casa inabitada
Parece que partimos. Cada dia
Mais, profundo na noite se aprofunda
E nós queremos partir - todos os cantos
Empalidecem ao pé desta descida
Até às pedras geladas do silêncio
Olhamos à janela de olhos fitos
Longe a claridade além dos rios
Queremos ir com o vento com o perigo
Queremos a injustiça do castigo
Somos nós que a nós mesmos nos matamos
E com mais amor do que quando amamos
Sentimos sobre nós descer o frio
Sophia de Mello Breyner Andresen
Thursday 12 February 2009
Árvores do Alentejo
Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!
E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não chorais! Olhai e vêde;
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
Florbela Espanca
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!
E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não chorais! Olhai e vêde;
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
Florbela Espanca
Monday 9 February 2009
Em Nome
em nome da tua ausência
construí com loucura uma grande casa branca
e ao longo das paredes te chorei
Sophia de Mello Breyner Andresen
construí com loucura uma grande casa branca
e ao longo das paredes te chorei
Sophia de Mello Breyner Andresen
Friday 6 February 2009
Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face
Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
Sophia de Mello Breyner Andresen
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face
Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
Sophia de Mello Breyner Andresen
Tuesday 3 February 2009
O Objecto
Há que dizer-se das coisas
o somenos que elas são.
Se for um copo é um copo
se for um cão é um cão.
Mas quando o copo se parte
e quando o cão faz ão ão?
Então o copo é um caco
e um cão não passa dum cão.
Quatro cacos são um copo
quatro latidos um cão.
Mas se forem de vidraça
e logo foram janela?
Mas se forem de pirraça
e logo forem cadela?
E se o copo for rachado?
E se o cão não tiver dono?
Não é um copo é um gato
não é um cão é um chato
que nos interrompe o sono.
E se o chato não for chato
e apenas cão sem coleira?
E se o copo for de sopa?
Não é um copo é um prato
não é um cão é literato
que anda sem eira nem beira
e não ganha para a roupa.
E se o prato for de merda
e o literato de esquerda?
Parte-se o prato que é caco
mata-se o vate que é cão
e escreveremos então
parte prato sape gato
vai-te vate foge cão
Assim se chamam as coisas
pelos nomes que elas são.
Ary dos Santos
o somenos que elas são.
Se for um copo é um copo
se for um cão é um cão.
Mas quando o copo se parte
e quando o cão faz ão ão?
Então o copo é um caco
e um cão não passa dum cão.
Quatro cacos são um copo
quatro latidos um cão.
Mas se forem de vidraça
e logo foram janela?
Mas se forem de pirraça
e logo forem cadela?
E se o copo for rachado?
E se o cão não tiver dono?
Não é um copo é um gato
não é um cão é um chato
que nos interrompe o sono.
E se o chato não for chato
e apenas cão sem coleira?
E se o copo for de sopa?
Não é um copo é um prato
não é um cão é literato
que anda sem eira nem beira
e não ganha para a roupa.
E se o prato for de merda
e o literato de esquerda?
Parte-se o prato que é caco
mata-se o vate que é cão
e escreveremos então
parte prato sape gato
vai-te vate foge cão
Assim se chamam as coisas
pelos nomes que elas são.
Ary dos Santos
Sunday 1 February 2009
Poeta castrado, não!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Ary dos Santos
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Ary dos Santos
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