Saturday 30 June 2018

Tantos anos


Tantos anos depois
meu amor
tanta paixão
*
tanto fogo de chama
acicatada
*
tanto desejo
meu amor
pelo teu corpo
*
nesta entrega
de nós
inseparável

*

Maria Teresa Horta

Wednesday 27 June 2018

Êxtase e Perdição


Sempre
que me despia
eu vestia a desmesura
*
entretecendo o prazer
da vertigem
com a loucura
*
na minha entrega
sem pressa
de êxtase e perdição
*
Sempre
que me despia
eu vestia o coração

*

Maria Teresa Horta

Sunday 24 June 2018

Voamos


Voamos a lua
menstruadas
*
Os homens gritam:
- são as bruxas
*:
As mulheres pensam:
- são os anjos
*
As crianças dizem:
- são as fadas

*

Maria Teresa Horta

Thursday 21 June 2018

No lençol da minha página


Faço poesia erótica
quando me deito contigo
no lençol da minha página
*
ao escrever o infinito
*
A iludir a vertigem
da paixão que eu persigo
sem confessar o desejo
*
de fazer amor contigo

*

Maria Teresa Horta

Monday 18 June 2018

VIAGEM



Desejo-te que mordas
o meu pulso
desejas-me ir tocar o cotovelo
*
Entreabres-me as pernas
tão de súbito
e devagar afagas-me os cabelos
*
Debruças-te sobre a boca que tão ávida
se abre no meu corpo
e ao descê-lo
*
Vais nadando de bruços
e na viagem
preferes morrer de amor do que perdê-lo

*

Maria Teresa Horta

Friday 15 June 2018

A las cinco de la tarde


Eran las cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana
a las cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida
a las cinco de la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte
a las cinco de la tarde. 


El viento se llevó los algodones
a las cinco de la tarde.
Y el óxido sembró cristal y níquel
a las cinco de la tarde.
Ya luchan la paloma y el leopardo
a las cinco de la tarde.
Y un muslo con un asta desolada
a las cinco de la tarde.
Comenzaron los sones de bordón
a las cinco de la tarde.
Las campanas de arsénico y el humo
a las cinco de la tarde.
En las esquinas grupos de silencio
a las cinco de la tarde.
¡Y el toro solo corazón arriba!
a las cinco de la tarde.
Cuando el sudor de nieve fue llegando
a las cinco de la tarde
cuando la plaza se cubrió de yodo
a las cinco de la tarde,
la muerte puso huevos en la herida
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
A las cinco en Punto de la tarde.

Un ataúd con ruedas es la cama
a las cinco de la tarde.
Huesos y flautas suenan en su oído
a las cinco de la tarde.
El toro ya mugía por su frente
a las cinco de la tarde.
El cuarto se irisaba de agonía
a las cinco de la tarde.
A lo lejos ya viene la gangrena
a las cinco de la tarde.
Trompa de lirio por las verdes ingles
a las cinco de la tarde.
Las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde,
y el gentío rompía las ventanas
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
¡Ay, qué terribles cinco de la tarde!
¡Eran las cinco en todos los relojes!
¡Eran las cinco en sombra de la tarde!

Federico García Lorca

Tuesday 12 June 2018

SON(H))O


é nas sombras da noite que respira
entre o sono e o sonho a tua imagem
não sei se parte ou chega de viagem
e não sei se é verdade ou se é mentira


sei que tu vens nas horas mais ansiosa
e que é dentro de mim que te insinuas
e sei que a noite derramou as suas
golfadas de luar sobre estas rosas

e há nelas os enganos de que falo
em pétalas de fogo e de ilusão,
pulsando no bater do coração
quando não há ninguém para escutá-lo,

nesse rumor tão triste me reduz
(não digas nada, meu amor, eu sei)
à minha solidão a tua lei...
e as rosas são de música e de luz

Vasco Graça Moura

Saturday 9 June 2018

Os Amigos


Voltar ali onde
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga -
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mão

Sophia de Mello Breyner Andresen

Wednesday 6 June 2018

A Federico García Lorca


Sobre teu corpo, que há dez anos
se vem transfundindo em cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para depositar
vergonha e lágrimas.

Vergonha de há tanto tempo
viveres — se morte é vida —
sob chão onde esporas tinem
e calcam a mais fina grama
e o pensamento mais fino
de amor, de justiça e paz.

Lágrimas de noturno orvalho,
não de mágoa desiludida,
lágrimas que tão-só destilam
desejo e ânsia e certeza
de que o dia amanhecerá.

(Amanhecerá.)

Esse claro dia espanhol,
composto na treva de hoje
sobre teu túmulo há de abrir-se,
mostrando gloriosamente
— ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e galo —
que para sempre viverão
os poetas martirizados.

Carlos Drummond de Andrade

Sunday 3 June 2018

Mulheres do Alentejo


Mulheres do Alentejo
Com papoilas nos olhos
São primaveras erguidas
Contra os bastões contra as balas
Oculto o rosto
Seus negros chapéus descidos
Frene ao sol
O claro choro nas mãos
Com bagos de amanhã.
São cor de terra
Cor de trabalho
Cor da habituação à dor.
Nossa Pátria do sofrimento
E do valor
Meu sinal de luz
Em toda a palavra que escrevo
Meu território do regresso e do futuro
Minha praia de secura
Percorrida pelo ódio e pelo pânico
Eis o ardente povo torturado
Esperança viva de um sonho feito carne
Mulheres searas fontes azinheiras
Nossa esperança, ainda em flor e fruto
No vermelho das feridas deste País de Abril

Urbano Tavares Rodrigues

Friday 1 June 2018

A Federico García Lorca



Companheiro, morto desassombrado, rosácea ensolarada
quem senão eu, te cantará primeiro. Quem senão eu
pontilhada de chagas, eu que tanto te amei, eu
que bebi na tua boca a fúria de umas águas
eu, que mastiguei tuas conquistas e que depois chorei
porque dizias: “amor de mis entrañas, viva muerte”.
Ah! Se soubesses como ficou difícil a Poesia.
Triste garganta o nosso tempo, TRISTE TRISTE.
E mais um tempo, nem será lícito ao poeta ter memória
e cantar de repente: “os arados van e vên
dende a Santiago a Belén”.


Os cardos, companheiro, a aspereza, o luto
a tua morte outra vez, a nossa morte, assim o mundo:
deglutindo a palavra cada vez e cada vez mais fundo.
Que dor de te saber tão morto. Alguns dirão:
Mas se está vivo, não vês? Está vivo! Se todos o celebram
Se tu cantas! ESTÁS MORTO. Sabes por quê?

“El passado se pone
su coraza de hierro
y tapa sus oídos
con algodón del viento.
Nunca podrá arrancársele
un secreto.”

E o futuro é de sangue, de aço, de vaidade. E vermelhos
azuis, braços e amarelos hão de gritar: morte aos poetas!
Morte a todos aqueles de lúcidas artérias, tatuados
de infância, de plexo aberto, exposto aos lobos. Irmão.
Companheiro. Que dor de te saber tão morto.

Hilda Hilst
 “Poemas aos homens de nosso tempo”