Monday 30 November 2015
A LIÇÃO
Francisco Miguel estava na prisão.
Todos os dias guardava do seu pão
para dar aos pombos
que vinham até ali
das velhas casas.
Ele sabia
que o dever
de todo o homem
é defender as asas.
Mário Castrim
Friday 27 November 2015
SOBRE O CAMINHO
Nada
nem o branco fogo do trigo
nem as agulhas cravadas na pupila dos pássaros
te dirão a palavra
Não interrogues não perguntes
entre a razão e a turbulência da neve
não há diferença
Não colecciones dejectos o teu destino és tu
Despe-te
não há outro caminho
Eugénio de Andrade
nem o branco fogo do trigo
nem as agulhas cravadas na pupila dos pássaros
te dirão a palavra
Não interrogues não perguntes
entre a razão e a turbulência da neve
não há diferença
Não colecciones dejectos o teu destino és tu
Despe-te
não há outro caminho
Eugénio de Andrade
Tuesday 24 November 2015
O VIANDANTE
Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.
Carlos de Oliveira
Saturday 21 November 2015
OS NOMES
Tua mãe dava-te nomes pequenos, como se a maré os
trouxesse com os caramujos. Ela queria chamar-te
afluente-de-junho, púrpura-onde-a-noite-se-lava,
branca-vertente-do-trigo, tudo isto apenas numa sílaba.
Só ela sabia como se arranjava para o conseguir,
meu-baiozinho-de-prata-para-pôr-ao-peito.
Assim te queria. Eu, às vezes.
Eugénio de Andrade
Wednesday 18 November 2015
DESLIGANDO A TV
A esta hora as anémonas nadam evitando o lodo
e Jesus Cristo está ainda sentado à direita de Deus Pai.
É a ele que me dirijo: para que
evite a poluição das águas;
acenda a luz das auto-estradas;
faça admitir na Guarda Nacional indivíduos capazes;
fiscalize devidamente os empréstimos externos;
esteja ao lado dos camponeses e operários;
mantenha a nossa cidade limpa;
acabe de vez com a inflação e o contrabando;
não permita lock-outs;
não se alheie das graves dificuldades do Serviço Nacional de Saúde;
atenda as preces das mães solteiras;
não deixe continuar nesta situação o nosso único Zoo;
dê coragem aos que julgam que já não há nada a fazer;
tire da cabeça dos nossos governantes a ideia maluca
de mandarem construir uma central nuclear;
impeça o desvio dos nossos aviões;
dê um em empurrãozinho na Habitação Social;
veja bem o que se está a passar com os impostos;
dê também uma olhadela pela Secretaria de Estado da Cultura;
ajude o mais possível as nossas colheitas;
procure a maneira de actualizar as pensões de reforma e invalidez;
termine com as pequenas e grandes invejas dos nossos intelectuais;
volte a pôr a Feira do Livro na Avenida da Liberdade;
tente que cada um de nós ame mais o próximo ou
se não for possível
que ao menos façamos todos férias repartidas.
Joaquim Pessoa
Sunday 15 November 2015
Viagem através da campanha dos 50 mil contos
Os camaradas de Portimão foram ao mar
por sua conta. Chegaram de madrugada
melhor dizendo: de manhã.
Os camaradas meteram o peixe
em grandes selhas. Escamaram,
estriparam, escalaram,
levaram os caldeirões ao lume
sopraram o lume
levantavam as tampas de quando em quando.
Sabiamente cortaram
sardinhas, lulas, polvo, tamboril,
ruivo, raia, safio.
Os camaradas salgaram, temperaram, provaram
de colher na boca, os olhos longe,
à procura do gosto perfeito dos séculos.
Os camaradas traziam os pratos que as companheiras
repartiam ponderadamente
com a ciência das velhas mães.
Os camaradas vieram servir à mesa
deixavam os pratos, levavam as senhas
perguntavam: está bom ou não está, camarada?
Os camaradas ficaram a fazer as contas.
Os camaradas ficaram a arrumar a casa.
Alguns camaradas adormeceram durante o Canto Livre.
Mário Castrim
por sua conta. Chegaram de madrugada
melhor dizendo: de manhã.
Os camaradas meteram o peixe
em grandes selhas. Escamaram,
estriparam, escalaram,
levaram os caldeirões ao lume
sopraram o lume
levantavam as tampas de quando em quando.
Sabiamente cortaram
sardinhas, lulas, polvo, tamboril,
ruivo, raia, safio.
Os camaradas salgaram, temperaram, provaram
de colher na boca, os olhos longe,
à procura do gosto perfeito dos séculos.
Os camaradas traziam os pratos que as companheiras
repartiam ponderadamente
com a ciência das velhas mães.
Os camaradas vieram servir à mesa
deixavam os pratos, levavam as senhas
perguntavam: está bom ou não está, camarada?
Os camaradas ficaram a fazer as contas.
Os camaradas ficaram a arrumar a casa.
Alguns camaradas adormeceram durante o Canto Livre.
Mário Castrim
Thursday 12 November 2015
É SEMPRE TUDO IGUAL
É sempre tudo igual:
uma mulher que morre, um ser próximo
que pragueja e pergunta...
Tantas, tantas vezes
vivemos já a nossa existência.
Sabemos o papel, representamos bem
a cena,
entramos e saímos quando nos ordenam.
Nalgum sítio alguém deve aplaudir.
José Agustin Goytisolo
Monday 9 November 2015
ALENTEJO
O camponês alargou o braço
à cintura redonda da distância.
As palavras que tinha
subiam da cisterna da memória
encontraram a saliva na boca
todas se desfizeram na saliva.
Depois, José Luís cuspiu-as para a terra
brandamente
como se entregasse um filho
a sua mãe.
Mário Castrim
à cintura redonda da distância.
As palavras que tinha
subiam da cisterna da memória
encontraram a saliva na boca
todas se desfizeram na saliva.
Depois, José Luís cuspiu-as para a terra
brandamente
como se entregasse um filho
a sua mãe.
Mário Castrim
Friday 6 November 2015
DE QUE SERVE A BONDADE?
1
De que serve a bondade
quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos
aqueles para quem foram bondosos?
De que serve a liberdade
quando os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
quando só a sem-razão arranja a comida de que cada um precisa?
2
Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor:
a faça supérflua!
Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
por criar um situação que a todos liberte
e também o amor da liberdade
faça supérfluo!
Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos
por criar uma situação que faça da sem-razão dos indivíduos
um mau negócio!
Brecht
Tuesday 3 November 2015
NOME DE FLOR
Liberdade.
Um nome
de flor
ou de voar.
A gota
em qualidade
de suor
que apaga a fome
e se põe a cantar.
Mário Castrim
Sunday 1 November 2015
ODE À REVOLUÇÃO
A ti,
assobiada-
escarnecida por balas de metralhadoras,
a ti,
que as baionetas ferem,
que as maldições envolvem,
grito enebriado
o início da ode
solene.
Oh! Bestial!
Oh! Ingénua!
Oh! Mesquinha!
Oh! Sublime!
Que outro nome te foi dado?
Em que te tornarás, ser de duplo rosto?
Um arquitectura harmoniosa
ou um amontoado de ruínas?
Exaltas o maquinista
coberto pela poeira do carvão,
o mineiro que perfura as entranhas da terra...
Exaltas,
veneras
o trabalho humano.
E amanhã...
Em vão
erguem as igrejas as flechas suplicantes,
os teus canhões de pescoço taurino
fazem saltar os milenários kremlins.
Glória!
Agonia das feridas mortais.
Uivo estridente das sereias.
Envias marinheiros
salvar num cruzador que vai a pique
um gatinho
esquecido.
E depois,
a multidão enfurecida
empurra à coronhada velhos almirantes,
lança-os de cabeça
do alto da ponte de Helsínquia.
O gosto áspero das feridas do passado,
vejo novamente as veias abertas.
Os burgueses amaldiçoam-te:
«Oh! sê três vezes maldita!»
mas o poeta,
eu,
dou-te a minha bênção:
Oh! Quatro vezes bendita, sê gloriosa!
Maiakovsky
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