Wednesday 30 June 2021

mar

essa maresia de sal
essa habituação de água
essas fragas firmes
que nunca vencem a batalha
esse fundo escuro
essa lua espalhada
esses cardumes dúcteis
que perderam o caos no dia em que nasceram
do meu sangue os elementos químicos e as moléculas. 

Miguel Tiago

Sunday 27 June 2021

teoria

só quem nunca sentiu os teus lábios pode dizer que tudo é relativo. 

Miguel Tiago

Thursday 24 June 2021

sem título

de um naufrágio podem salvar-se as almas
havendo arrependimento
mas salvam-se corpos
havendo terra firme

tu és terra firme. 

Miguel Tiago

Monday 21 June 2021

o futuro escrevemos nós

 

chegou por estes dias
um envelope selado com o lacre dos séculos
chegou de mão em mão porque privatizaram os correios
no destinatário lia-se "presente",
no remetente, "futuro".
no interior, uma carta em branco em que faltava apenas escrever uma palavra.
"comunismo".
 
Miguel Tiago

Friday 18 June 2021

sem título

a montanha
porém
o rio

 Miguel Tiago

Tuesday 15 June 2021

sem título

há lá nome de bebida quente mais poético
do que
café sem princípio?

para mim é um, se faz favor. sem princípio nem fim.

Miguel Tiago

 

 

 

 

Saturday 12 June 2021

sem título

a casa abandonou-me, vazia. e os lençóis tremem de frio nas mais quentes noites de verão. frio ou solidão.
já nada habita o interior e apenas o verde das plantas na varanda lembram, ainda que remotamente, alguém. ou a projecção da sua sombra no vidro fosco da porta da sala, porque ao vento, ligeiramente, ondulam e agitam as pequenas folhas.
resta-me um último refúgio, onde ainda respiro, como se de lá pudesse sorver o oxigénio que me leva a ausência, ainda que em doses curtas. é a gaveta esquerda, a mais próxima da minha cabeça e a única onde deixaste o que quer que seja. 

Miguel Tiago

Wednesday 9 June 2021

os sonhos

os sonhos os sonhos
que se nos desfazem ou nos desfazem
em pó

Miguel Tiago

Sunday 6 June 2021

vazio


apaguei as luzes
e só ouvi o soprar de um vento nas velas
sobre um mar de silêncio um barco pleno 
de ninguém, de gente nenhuma, 
nem eu lá sigo, e não tem leme,
nem na verdade               velas.
 
Miguel Tiago
 

Thursday 3 June 2021

inconsequência

das ondas do mar
o vento a vela e as nuvens
como se dali nascessem os naufrágios
e chorassem naus a plenos pulmões
enquanto o fundo do mar abre os braços
dos abismos
e as profundezas murmuram as últimas lembranças
da luz  e da superfície.

esse mar
eu naufragado, fragmentado contra uma fraga
de rochas feitas de sonhos que não cumpri. 

Miguel Tiago

Tuesday 1 June 2021

história


quantas vozes o ar me guarda
como um eco
dos homens?
 
Miguel Tiago