Saturday 30 September 2023

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ruma deserta a embarcação
na bruma alvorescente
se a salvares em alto mar
reclama propriedade
leva salva-vidas
que esta nave não cavalga, navega
mas desafia a tripulação 
como um cavalo selvagem. 

Miguel Tiago

Wednesday 27 September 2023

sem título

acredito
que no fim
o nosso sonho 

somos nós. 

Miguel Tiago
 

Sunday 24 September 2023

sem título

nem só o que ainda não existe é belo.  

Miguel Tiago

Thursday 21 September 2023

sem título

escolho a viagem
escolho a vertigem
atravessar a nuvem
a cinza a lava e a fuligem
e cair inteiro na folhagem branca 
das ondas efervescentes
escolho, se puder, a mensagem
e escrevo-ta em letras iridiscentes
sobre uma rocha negra

entre ir e ficar
escolho estar 
mas de passagem

escolho o olho
em vez da margem
a sede
em vez da miragem.
 
Miguel Tiago

Monday 18 September 2023

DEUSES...


Deuses os houve numa noite longa.
Criou-os o pavor e a humana miséria.
Agora, já não servem para nada.
Fazem asco,
e são talvez vergonhosos.
Se não morreram para sempre,
é porque ainda por aí
há quem não tenha despertado.

Armindo Rodrigues

Friday 15 September 2023

sem título

este mar sempre vivo
guarda secretamente
o bater dos nossos corações. 

Miguel Tiago

Tuesday 12 September 2023

sem título

só por entre o banal
se pode cultivar o sublime
sem contradições 
nem fariam falta os adjectivos

por exemplo

por só conseguir manter vivos cactos 
é que me deslumbram as orquídeas. 

Miguel Tiago

Saturday 9 September 2023

cicatrizes

dissolvo na minha taça
gotas do teu veneno
(ou meu?) 
com o receio eterno de ter ficado contaminado
e de vir a ser obrigado
por imperativo moral
a tatuar no peito
do lado esquerdo
uma caveira e duas tíbias cruzadas. 

Miguel Tiago

Wednesday 6 September 2023

funda poesia

depois de o sol se pôr 
eu sei a noite 
que adivinha o dia 
depois de o coração bater 
eu sei o sangue 
e sinto entre artérias poesia

vinham dizer-me a toda a hora
que tenho hora marcada 
pela lua vazia 
acima de tudo pelas palavras 
de quem mas dizia

e foi preciso ouvir os mortos
saber quantos anos vivem 
lentamente
nas cascas das árvores 
para surfar em pequenas nuvens a maresia
e rebentar na espuma 
por onde a manhã se sumia
para poder ver aceso o tempo 
tempo rastilho 
tempo farol
tempo contado
tempo roubado 
a todo o tempo que nunca nos foi dado

fixaram-me dois dias
um para nascer, outro para morrer
e os outros, deram-mos
embrulhados na bruma
funda

funda fisga
que eu disparo

fecho um olho 
e aponto à cabeça de gigantes. 

Miguel Tiago
 

Sunday 3 September 2023

vem

secretamente ter comigo
nem eu preciso saber
mas vem.
 
Miguel Tiago
 

Friday 1 September 2023

sem título

eu sei que de mãos dadas
podemos voar sobre a vastidão do deserto
e caminhar com passos de gigante
sobre muros e cordões policiais
fazer deflagrar chamas e revoltas
capazes de acordar milhões de escravos

eu sei 


nós somos a nossa era. 

Miguel Tiago