Saturday 30 November 2013

E AGORA DIREI


E agora direi,
como homem do povo,
o que quer
a gente do meu país:

queremos a liberdade.

Queremos que esta nossa terra
se acalme na paz,
sem angústia ou medo,
sem roubos nem dor.
Queremos chegar ao segredo,
subir por veredas e caminhos
à terra prometida,
onde a alegria dos pássaros,
o perfume das flores
e o olhar de um amigo
se fundem finalmente.

E todos,
por um mesmo caminho,
debaixo da sombra compacta
das bandeiras e canções
avançaremos unidos:
os da velha Catalunha,
os d'além-mar,
e os do país valenciano.
E nos subúrbios
deste país nascente
levantaremos um novo templo
onde o homem catalão
se sentirá, apenas,
trabalhador do seu país.
Sentir-se-á seguro,
guiado pelos deuses
da justiça e do amor,
e oferecerá, se for preciso,
a vida da sua canção,
descalço sobre a terra,
de alfaia bem segura
na mão,
enquanto a voz
dos mortos em sacrifício
dirá
uma palavra de perdão.

Joan Colomines

Wednesday 27 November 2013

UM RAIO DE SOL É A ESPERANÇA


Um raio de sol é a esperança
do prisioneiro, que passeia em silêncio
nas celas do subterrâneo;
um barco à vela o seu sonho;
as pancadas e gritos
que ecoam pelos muros,
o seu horror.
Se ninguém escrevesse tudo o que se sabe,
enchiam-se montanhas e montanhas
de justiças violadas,
dedos apontados, acusadores,
de violências e repressões organizadas.
Então talvez o mar atacasse a cidade
e as estradas ficariam cheias de lama, de sal,
e as verdades das nossas mãos afogariam,
assim se espera,
todos os carrascos.

Isidre Molas

Sunday 24 November 2013

DIREMOS A VERDADE, SEM DESCANSO


Diremos a verdade, sem descanso,
pela honra de servir, sob os pés de todos.
Detestamos os grandes ventres, as grandes palavras,
a indecente ostentação do ouro,
as cartas mal distribuídas pela sorte,
o denso fumo do incenso a quem é potente.
Agora é a vil raça dos senhores,
agacha-se no seu ódio como um cão,
ladra de longe, ao pé usa cacete,
segue, para além da lama, caminhos de morte.

Com a canção construamos no escuro
altas paredes de sonho, defesa deste turbilhão.
Pela noite chega o rumor de muitas fontes:
estamos fechando as portas do medo.

Salvador Espriu

Thursday 21 November 2013

23/6/1958

No dia 23 de Junho de 1958, cerca de trezentos operários agrícolas concentraram-se junto à Câmara Municipal de Montemor-o-Novo.
Tinham iniciado nesse dia uma greve que, para além da exigência de melhores salários, era um protesto assumido contra a fraude eleitoral que havia roubado a vitória ao candidato antifascista general Humberto Delgado nas «eleições» de 8 de Junho desse ano.

José Adelino dos Santos, operário agrícola de 46 anos de idade, era um dos presentes.
Numa altura em que falava com outros trabalhadores, de costas para o edifício da Câmara, foi atingido por um tiro, disparado do interior do edifício, e assassinado.
Não foi um tiro de acaso: foi um tiro dirigido: dirigido a José Adelino dos Santos.
Porquê a ele?

Militante do PCP desde o início dos anos 40, José Adelino dos Santos teve um papel destacado no desenvolvimento da organização do PCP no Concelho de Montemor-o-Novo. Ele era, desde a sua juventude, um corajoso lutador antifascista, um organizador da luta de todos os dias pela democracia, pela liberdade, pela justiça social.
Por isso, e pela sua postura fraterna e solidária, era altamente prestigiado junto dos seus companheiros de trabalho - e por tudo isso, ele era também um alvo permanente da PIDE.
Foi preso pela primeira vez, em 1945; e, pela segunda, em 1949 - e de ambas as vezes barbaramente torturado. Cumpriu um total de três anos de prisão.
Estas as razões pelas quais, naquele dia 23 de Junho de 1958 aquele tiro mortal foi dirigido José Adelino dos Santos.

Uma multidão de cinco mil pessoas - que a PIDE e a GNR tentaram inutilmente impedir de entrar no cemitério - acompanhou o corpo do militante comunista à sua última morada.

Hoje, precisamente no local onde, há 50 anos, foi assassinado pelo fascismo, José Adelino dos Santos foi homenageado pelos seus camaradas e amigos - uma homenagem que foi, ao mesmo tempo, a afirmação do compromisso de continuar a luta por ele travada: pela democracia, pela liberdade, pela justiça social, pelo socialismo e pelo comunismo.

Fernando Samuel

Monday 18 November 2013

ORGULHOSAS...


Orgulhosas, por toda a parte,
a carvão, a zarcão, a ocre,
se lêem palavras de esperança,
sóbrias, serenas, sem ódio.
O ódio é com os agrários
e os guardas-republicanos,
uns e outros bem alimentados,
uns e outros cruéis e inúteis.

Armindo Rodrigues

Friday 15 November 2013

CICLO


O molar solitário duma prostituta
que morrera no anonimato
tinha uma aplicação de ouro.
Os restantes, como por mudo acordo tácito,
tinham caído.
O funcionário da morgue arrancou-o,
pô-lo no prego e foi dançar.
É que, dizia ele,
só o que é terra à terra deve voltar.

Gottfried Benn

Tuesday 12 November 2013

MEDITATIO


Ao estudar com atenção
os curiosos hábitos dos cães
sou forçado a concluir
que o homem é o animal superior.
Ao estudar
os curiosos hábitos do homem
confesso, meu amigo, que fico perplexo.

Ezra Pound

Saturday 9 November 2013

ESTIO


Horizonte
todo de roda
caiado de sol.
Ao meio
do cerro gretado
esguia cabeça de cobra
olha assobios de lume
sobre espigas amarelas...
(...Campaniços degredados
na vastidão das searas
sonham bilhas de água fria!...)

Manuel da Fonseca

Wednesday 6 November 2013

Stockausen. Música eletrónica. Viagem espacial


Em cada homem
há uma viagem para um planeta longínquo...

(Para os pobres é a Terra.)

José Gomes Ferreira

Sunday 3 November 2013

O PREGUIÇOSO


Continuarão a viajar coisas
de metal entre as estrelas,
subirão homens extenuados,
violentarão a Lua suave
e ali abrirão farmácias,

Neste tempo de uva cheia
o vinho começa a viver
entre o mar e as cordilheiras.

No Chile bailam as cerejas,
cantam as moças morenas
e nas violas brilha a água.

O sol bate a todas as portas
e faz milagres com o trigo.

O primeiro vinho é rosado,
doce como um menino pequeno,
o segundo vinho é robusto
como a voz de um marinheiro
e o terceiro é um topázio,
uma papoila e um incêndio.

A minha casa tem mar e terra,
a minha mulher tem grandes olhos
da cor da avelã silvestre,
quando chega a noite o mar
veste-se de branco e de verde
e depois a Lua na espuma
sonha como noiva marinha.

Não quero mudar de planeta.

Pablo Neruda

Friday 1 November 2013

A ÚLTIMA MOEDA


Gasta a última moeda, companheiro,
e avança contra o vento contrário,
homem despedaçado mas inteiro,
nem tu, nem ninguém escreve o teu diário,

- mas se o entusiasmo fosse dinheiro
serias milionário.

Sidónio Muralha