Sunday 30 August 2015

Dizias-me...



Dizias-me há dias em jeito de a querer meter conversa; “escreve qualquer coisa aqui”… e eu depois de ler estou em branco, vazio de palavras ou dizeres ou sentires. Estou só e aqui, mas é como se não estivesse. É o corpo que cansado ancorou aqui nesta espécie de fundeadouro de emoções. Só o corpo porque a alma essa anda vogando no vento ao sabor da maresia ali no oceano largo.
As emoções pregam-nos partidas e bloqueiam as palavras e os pensamentos e ficamos em branco, rubros por fora, acalorados, a disparar o sangue nas veias ou então numa espécie de catarse narcotizante que asfixia o sentir.
Já não te sinto é isso. Deixei de te sentir à tanto tempo que já não me lembro. Tenho algumas dúvidas que tenhas existido, que não sejas só uma projecção do cérebro, um holograma de imagens e não mais que isso. Tenho duvidas de mim mesmo, da minha capacidade de discernimento à reacção a um simples acto teu de provocação a tentar que eu fique de outra cor que não o branco, ou as palavras se soltem dos cabos onde se encontram enleadas num emaranhado de ausências.
Eu sei que sabes que um dia te disse que o amor para mim era branco, que tem a cor da pureza. Mas nós já perdemos a inocência do amor e das palavras e dos actos. Fomos a perdição um do outros ambos sabemos e já não temos remédio ou mesinha caseira que nos cure ou nos faça ficar de outra maneira que não esta, branca esvoaçante como a roupa a secar no fieiro, ali na Afurada dos tempos antigos.
Somos um branco anónimo desbotado pelo tempo, e nem esta tentativa de retomar as palavras é coerente ou permite que me liberte.
As vezes, sim, sei que deve ser quando durmo, sonho-te e acordo com um sorriso, aos poucos o sonhar volta, quase que juro, algumas vezes sinto o teu calor, o teu corpo, ou é o meu sangue que ferve fulminado por febres e me engana.
As emoções pregam-nos partidas… 
 
João marinheiro

Thursday 27 August 2015

POEMA

(A Eterna Criança que me persegue a pedir esmola. Grito de cólera.)

Ouve, Não-sei-quem:

recuso-me a viver
num mundo assim de lua podre
disfarçado de flores
com repetições de esqueletos
e a Eterna Voz Faminta
aqui na minha frente
- pálida de existir!

Ouve, Não.sei-quem:

e se, depois de tudo isto,
ainda há céu e inferno
ou outra sombra intermédia,
recuso-me terminantemente a morrer
e a entrar nessa comédia!

José Gomes Ferreira

Monday 24 August 2015

III


Já não te amo.
Sinto só a falta que me fazes todos os dias em que escrevo só, aqui neste pedaço do mundo tão estranho.
A maioria das vezes caminho por esta cidade que eu quis nossa, sozinho.
E sou um estranho de visita tão breve como breve é o desejo ou o arfar do peito.
Caminho a bordejar o Douro. Sempre o Douro. O nosso rio, e já não reconheço os lugares, as pedras da calçada, as pedras do molhe na Cantareira. A Foz. Nada! Já não me reconheço na névoa que me embacia o olhar.
Paro a descansar. A reunir as emoções em forma de palavras frias. A registar o momento tão breve de nós que nunca fomos. Preciso de te registar em palavras. A forma desumana e possível. O amor-perfeito no passado e no futuro mais que perfeito, imperfeito na essência por não ser realizável.
Caminho, os olhos desertos não vêem a luz do sol a espraiar-se nas águas do Douro, o eléctrico que passa amarelo, velho, a reluzir nos trilhos em aço coçados. O guarda-freio antigo de chapéu e fato azul-escuro, afável, e calmo, com todo o tempo que dura a viagem breve demais para que se possa sonhar o tempo.
Já não te amo. Já não quero sonhar que te amo. Já não quero imaginar que te amo. Já não!
O eléctrico tão antigo e tão terno a tilintar em cada paragem. Os trilhos a abraçarem o Douro de mãos dadas. Olho quando passa, e fica-me cá dentro a pintura do eléctrico amarelo e os rostos voltados para dentro de si, fechados. Eu olho, mas não vejo no coração das pessoas, e fico aflito se serei humano, ou um autómato inventado por mente alucinada aqui, nesta cidade tua que eu queria nossa e não consigo.
Caminho
A vida é um jogo.

João marinheiro

Friday 21 August 2015

VITÓRIA!


Derrotado, ao assalto voltei,
minhas feridas sarei
e tornei;
de novo batido fui,
mas no combate o braço armei,
com força maior
tornei;
as lutas eram tam grandes,
novo desastre encontrei
- feito em pedaços meu corpo,
ainda forças busquei...

Cem vezes ao combate
parti.
E por fim,
o que queria consegui.

Joaquim Namorado

Tuesday 18 August 2015

Mas sei das limitações das minhas mãos...


E depois fui teu e tu minha, plenos sem fronteiras ou barreiras

Sem medos e fui feliz. Muito. Como faz anos não era.

É pouco para quem quer muito

Mas sei das limitações das minhas mãos

Não posso querer tudo sob pena de não ter nada

Não te posso prender, é isso

E a distância ainda é grande, embora agora a curva seja descendente e se encurte lentamente.


João marinheiro

Saturday 15 August 2015

Legenda para a vida de um vagabundo


Nasci vagabundo em qualquer país,
minhas fronteiras são as do mundo.
Esta sina vem-me no sangue:
não me fartar! Um desejo morto,
mais dez a matar.

O caminho é longo!...
- Mas nada é longe e distante
quando se quer realmente...
E nunca o cansaço é tão grande
que um passo mais se não possa dar.

Joaquim Namorado

Wednesday 12 August 2015

De memória...


Escrevo-te de memória
Sentado no muro do cais na foz
Enquanto o rio corre calmo para o mar
E a noite cai sobre nós
Escrevo-te de memória
Aninhado no teu abraço
No calor do teu corpo enlaçado no meu
Enquanto te afago os cabelos longos
E de olhos fechados te absorvo em mim como um néctar…
 
João marinheiro

Sunday 9 August 2015

soneto do amor e da morte


quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer


a revoar na minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,

e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição

que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.

Vasco Graça Moura

Thursday 6 August 2015

Dos tornados....

Chegaram os tornados
A força do vento, o rugido do mar
E o barco range em estalidos de medo na noite
Os relâmpagos cortam o negro da madrugada
E as velas estivadas todas, repousam nas vergas
Os brandais gemem em silvos como cordas de guitarra afinadas ao limite
A proa afunda na cava da vaga e o velho navio lentamente galga a onda e o medo
Estou ao leme, esta roda imensa onde me agarro com as duas mãos
Enquanto o sueste me protege da água que cai em bátegas doces do céu aberto e negro
É uma travessia sem rumo mar adentro a fugir da tempestade
Levo um sorriso nos lábios e o teu perfume no pensamento
És a minha estrela polar, a minha constelação, o meu norte
Neste mar branco de espuma e sal  o leme obedece certo
A todos os mandamentos rápido a fugir do naufrágio




O arnez segura-me como um cordão umbilical
 
E o motor estremece sob os meus pés
Em círculos perfeitos de 900 rotações por minuto. Três nós…
Singramos lentamente, quase parados, quase.
Tenho Leça por estibordo, o farol em relâmpagos ritmados e certos
Conheço-lhe a cor e forma mesmo na noite
Como te conheço a ti
As formas de olhos fechados, e o toque da pele e o teu cheiro a maresia
O redondo dos seios.
Chegaram os tornados
É inverno adiantado no mar.
 
João marinheiro

Monday 3 August 2015

A VERDADE


A verdade é semelhante a uma adolescente
vibrante, flexível, em radiosa sombra.
Quando fala é a noite translúcida no mar
e a esfera germinal e os anéis da água.
Um apelo suave obstinado se adivinha.

Ela dorme tão perfeitamente despertada
que em si a verdade é o vazio. Ela aspira
à cegueira, ao eclipse, à travessia
dos espelhos até ao último astro. Ela sabe
que o muro está em si. Ela é a sede

e o sopro, a falha e a sombra fascinante.
Ela funda uma arquitectura volante
em suspensas superfícies ondulantes.
Ela é a que solicita e separa, delimita
e dissemina as sílabas solidárias.

António Ramos Rosa,
in "Volante Verde"

Saturday 1 August 2015

Segredo...


meu amor do outro lado do mar.
gosto-te
um gostar inexplicável, que faz tremer por dentro de emoção
que faz o coração bater rápido a tentar ultrapassar o peito onde se encerra
um gostar que corta a respiração na ânsia de perpetuar o momento
o contacto dos lábios
a pele
os cabelos
as tuas mãos
o riso
espécie de melodia aos ouvidos
depois, depois o olhar espraia-se em mim e eu perco-me enamoro-me como um adolescente sem jeito
tudo isto és tu em mim
e mais que não consigo dizer por palavras, só sentir...
tão bom murmurar-te ao ouvido baixinho para que ninguém escute
amo-te.


João marinheiro