Saturday 30 July 2011

Palavras


Queria chamar-te tanta coisa bela

pássaro, fogo, vento, caravela
terra, semente, pão

Chamar-te amigo
e inventar as palavras que não digo
com medo de as dizer sem ter razão.


Maria Eugénia Cunhal

Wednesday 27 July 2011

O mastro de Maio dos trabalhadores

Trabalhadores de todo o mundo, seja qual for
o vosso trabalho, suspendei-o neste dia:
deixai para trás as nuvens de inverno,
avançai ao sol com alegria.

Agora que de novo a verde terra rejubila
nos rebentos e nas flores de Maio
levantai os corações e a voz
na alegria universal do Dia do Trabalho.

Desfraldai bandeiras de terras longínquas
com a mesma mensagem de luta e esperança:
levantai o mastro de Maio e as suas grinaldas
que a vossa causa envolve na causa de todos.

Em cada faixa que esvoaça está escrito
o doce alvoroço do coração da liberdade
por distantes que estejam a coroa e o prémio
cada um com todos os outros os há-de alcançar.

A vossa causa é a esperança do mundo
a vossa luta é a vida do homem,
a Liberdade, bandeira desfraldada dos trabalhadores,
é um véu na luminosa face do futuro.

Sejais vós muitos ou poucos, reunidos,
que seja clara a vossa mensagem neste dia;
sejamos pássaros da primavera, mesmo com uma só pena,
cantemos o Primeiro de Maio.

Uma vida nova está ainda oculta,
mas projecta-se já a sua sombra;
um novo renascer da esperança seguramente
aí vem, como o mar chega à praia.

Fincai pé, trabalhadores, com firmeza,
fortes e unidos, puxai em conjunto:
juntai as mãos numa cadeia ao redor do mundo
se quereis realizar a vossa esperança.

Quando os Trabalhadores do Mundo, irmãos e irmãs,
construírem, no tempo novo que aí vem,
a casa comum para si próprios,
então, será sua a terra inteira.


Walter Crane
(Inglaterra, 1845-1915)

Sunday 24 July 2011

Para Bellum


Protestos, livros, poemas, sacrifícios,
a história analisada e desmascarada: a paz
e não a guerra desde sempre a guerra.
É velho tudo isto. Há malandros
para ganhar com as guerras, há patriotas
para mandar os outros morrer nelas, há
heróis ou não heróis que morrem nelas,
há multidões para serem massacradas.
Eu protesto, tu protestas, ele protesta, etc.
E nada muda, ou muda para mais.
Antigamente, os faraós ao contar os mortos inimigos
(nunca os próprios mortos) exageravam - evidente.
Hoje, os comunicados cometem sempre esse exagero
(e a mesma distracção discreta). Mas há sempre
humanidade com vocação para matar e multidões
com vocação vacum para cadáver.
E neste cheiro a podre milenário - vale a pena
sequer dizer que são filhos da puta?


Jorge de Sena

Thursday 21 July 2011

ÀS RUAS NO PRIMEIRO DE MAIO


Às ruas no Primeiro de Maio!
A rugir nas Praças!
Tremam torres no centro da cidade!
Estilhace-se a atmosfera da Baixa!
Vinde com uma tempestade de bandeiras,
vinde com a passada de um terramoto,
Sinos, abandonai o campanário,
Bandeira vermelha, salta fora do teu vermelho!
Para fora das oficinas e das fábricas,
levantai a foice e o martelo,
Camaradas, são estas as nossas ferramentas:
uma canção e uma bandeira!
Canção, ondula no mar dos nossos corações,
Bandeira, salta e liberta-te;
Canção e Bandeira unidas.
Abaixo a burguesia!
Varram a grande cidade, avante!
Este dia é uma barricada;
Lancemos a brilhante bomba do sol,
e a lua como uma granada de mão.
Derramai-vos com uma segunda inundação!
Trovejai, montanhas do ar!
Milhares dos nossos rugem no metropolitano -
Camaradas, todos à praça!


Alfred Hayes
(Inglaterra, 1857-1936)

Monday 18 July 2011

Destino


A ser cão,
antes vagabundo
sem pão,
passadas firmadas,
lés a lés,
no mundo
a meus pés.


Carlos Aboim Inglez

Friday 15 July 2011

Esta gente / Essa gente


O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente

Gente que seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente

Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente
que fira de unhas e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente

O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente


Ana Hatherly

Tuesday 12 July 2011

Contratados


Longa fila de carregadores
domina a estrada
com os passos rápidos

Sobre o dorso
levam pesadas cargas

Vão
olhares longínquos
corações medrosos
braços fortes
sorrisos profundos como águas profundas

Largos meses os separam dos seus
e vão cheios de saudades
e de receio
mas cantam

Fatigados
esgotados de trabalhos
mas cantam

Cheios de injustiças
caladas no imo das suas almas
e cantam

Com gritos de protesto
mergulhados nas lágrimas do coração
e cantam

Lá vão
perdem-se na distância
na distância se perdem os seus cantos tristes

Ah!
eles cantam...


Agostinho Neto

Saturday 9 July 2011

A Elionor


A Elionor tinha
catorze anos e três horas
quando começou a trabalhar.
Estas coisas ficam
registadas para sempre no sangue.
Ainda usava tranças
e dizia: «sim, senhor» e «boas tardes».
As pessoas gostavam dela,
da Elionor, tão meiga,
e ela cantava enquanto
fazia correr a vassoura.
Os anos, porém, dentro da fábrica,
diluem-se no opaco
griséu das janelas,
e ao fim de pouco a Elionor não teria
sabido dizer donde lhe vinha
a vontade de chorar,
nem aquele irreprimível
aperto de solidão.
As mulheres diziam que aquilo
era porque estava a crescer e que aqueles males
se curavam com marido e filhos.
A Elionor, de acordo com a mui sábia
predição das mulheres,
cresceu, casou-se e teve filhos.
O mais velho, que era uma rapariga,
só havia três horas
fizera os catorze anos
quando começou a trabalhar.
Ainda usava tranças
e dizia: «sim, senhor» e «boas tardes».


Miquel Marti I Pol

Wednesday 6 July 2011

Canção dos que vivem das suas mãos


Não peço o de ninguém.
Apenas o meu pão,
meu ar.

Apenas a flor,
o fruto do que fazem minhas mãos.


Jesus Lopez Pacheco

Sunday 3 July 2011

Os grandes amigos


São como as árvores
de grande porte.
Quando elas partem
as raízes ficam
aquém da morte.


Luís Veiga Leitão

Friday 1 July 2011

(A «INTERNACIONAL»)


Acabou o comício.
E, como de costume,
no final,
todos de braço dado cantámos
o embalar de lume
da «Internacional»...

... esse hino
que um marceneiro
compôs durante a sua guerra
pelo Destino
de operário verdadeiro
- melodia
arrancada certo dia
da raiz de uma flor
no coração da Terra.

(Da Terra futura
sem amos,
mas só com amor.)

Entretanto cantamos.


José Gomes Ferreira