Monday 30 August 2021

última página

 

esta é a última página deste livro
que no horizonte falso acendeu madrugadas
e estrelas
e no fogo consumiu manhãs e noites que nunca foram frias
esta é a última página deste livro
a primeira da minha vida
rasguei-a
ao vento que te agitava os cabelos
e entrava vindo do mar na casa em que não escrevi prefácio
a última página do livro não é a melhor
é a última
sem ela restaria a edição póstuma reunida pelos familiares sobreviventes.
 
Miguel Tiago

Friday 27 August 2021

o passado é para sempre

sob a pele nos ficam as tatuagens
por cada vez que no peito nos bate outro coração.

Miguel Tiago

Tuesday 24 August 2021

silêncio

um fio de céu
escorre nos ponteiros da bomba-relógio
que bate no peito
dos descoraçoados
a cada segundo
do primeiro suspiro
sob o mar de copas
por onde os raios da noite
penetram agudos
os pulmões exaustos
lâminas frias que rombas
rasgam o som que fazemos
quando estamos em silêncio 

Miguel Tiago

Saturday 21 August 2021

sem título


das raízes da sombra à luz da folha
pudesse tanta dignidade
contagiar outras florestas
 
Miguel Tiago
 

Wednesday 18 August 2021

História

o homem constrói o mundo
o tempo é simultaneamente matéria-prima, meio e substrato
é o materialismo poético. 

Miguel Tiago

Sunday 15 August 2021

sem título


é natural quartzo hialino
ser vidro 
cacau ser chocolate de leite
é natural alma ser corpo
e pele ser apenas superfície
é natural no mundo de plástico
flores verdadeiras 
não merecerem água.
 
Miguel Tiago
 

Thursday 12 August 2021

sem título

ainda tenho na ponta dos dedos
o sabor da tua alma
na língua
o tacto telúrico do teu calor.

do sol raios já deitados douram a minha pele
e nua abraças a minha cor acesa.

até que a luz, de tão rara, se extinga. 

 Miguel Tiago

Monday 9 August 2021

sem título

 o manto que nos imobiliza

é um pensamento 

Miguel Tiago

Friday 6 August 2021

jardim de inferno

enquanto sob os teus pés se contorcem as labaredas
a figueira-do-diabo ferve-te as artérias
e o sono falta-te como te falta o aconchego
de uma voz que murmura
as folhas caídas de um outono distante
crepitam agora toda a noite
a lava ilumina apenas os que fecham os olhos
não é um incandescência qualquer. 

Miguel Tiago

Tuesday 3 August 2021

versos para vermes

 hoje não nos falta poesia, falta-nos coragem
e só isso te dá coragem para que fales de poesia.

Miguel Tiago

Sunday 1 August 2021

no boundaries theory

da mesma árvore os frutos
na estação certa
do mesmo olhar uma chama intensa
na noite certa
não há limite de vezes para morrer de amor
pela pessoa certa. 

Miguel Tiago