Saturday 30 March 2013

AOS MORTOS VIVOS DO TARRAFAL


Ao cabo de Cabo Verde
dobrado o cabo da guerra
quando o mar sabia a sede
e o sangue sabia a terra
acabou por ser mais forte
a esperança perseguida
porque aconteceu a morte
sem que se acabasse a vida.

Ao cabo de Cabo Verde
no campo do Tarrafal
é que o futuro se ergue
verde-rubro Portugal
é que o passado se perde
na tumba colonial,
ao cabo de Cabo Verde
não morreu o ideal.

Entre o chicote e a malária
entre a fome e as bilioses
os mártires da classe operária
recuperam suas vozes.
E vêm dizer aqui
do cabo de Cabo Verde
que não morreram ali
porque a esperança não se perde.

Bento Gonçalves torneiro
ainda trabalhas o ferro
deste povo verdadeiro
sem a ferrugem do erro.

Caldeira de nome Alfredo
fervilham no teu caixão
contra o ódio e contra o medo
gérmens de trigo e de pão.

E tu também Araújo
e tu também Castelhano
e também cada marujo
que morreu a todo o pano.

Todos vivos! Todos nossos!
vinte trinta cem ou mil
nenhum de vós é só ossos
sois todos cravos de Abril!

No campo do Tarrafal
no sítio da frigideira
hasteava Portugal
a sua maior bandeira.

Bandeira feita em segredo
com as agulhas das dores
pois o tempo do degredo
mudava o sentido ás cores:
o verde de Cabo Verde
o chão da reforma agrária
e o Sol vermelho esta sede
duma água proletária.

Do cabo de Cabo Verde
chegam tão vivos os mortos
que um monumento se ergue
para cama dos seus corpos.
Pois se o sono é como o vento
que motiva um golpe de asa
é a vida o monumento
dos que voltaram a casa.


José Carlos Ary dos Santos
(poema feito quando da trasladação para Portugal dos
restos mortais dos 32 resistentes assassinados no Tarrafal) 

Wednesday 27 March 2013

EM QUALQUER LUGAR...


Em qualquer lugarem que alguém estiver,
há querer e buscar,
partir e chegar,
saber e ignorar,
achar e perder.

Armindo Rodrigues

Sunday 24 March 2013

ELOGIO DO TRABALHO CLANDESTINO



É bonito
usar da palavra na luta de classes
clamar alto e bom som pela luta de massas
pisar os opressores libertar os oprimidos.
Árdua e útil é a pequena tarefa de cada dia
que secreta e tenaz tece
a rede do partido sob
os fuzis apontados dos capitalistas:
Falar mas
escondendo o orador.
Vencer mas
escondendo o vencedor.
morrer mas
dissimulando a morte.
Pela glória, quem não faria grandes coisas? Mas quem
as faz pelo olvido?
No entanto, o pobre que mal come
senta a honra à sua mesa;
Das pequenas cabanas em ruínas
surge a grandeza irresistível.
E a glória busca en vão
os autores do grande feito.
Saí da sombra
por um momento
rostos anónimos, dissimulados, e aceitai
o nosso agradecimento.

Bertolt Brecht

Thursday 21 March 2013

TALVEZ A MINHA ÚLTIMA CARTA A MÉMET



Por um lado
os carrascos entre nós
como uma parede a separar-nos.
E por outro lado
este coração mal comportado
que me armou uma partida reles.
Meu pequenino, meu Mémet
o destino vai talvez impedir-me
de voltar a ver-te.
Sei-o
serás um rapaz parecido
com uma espiga de trigo
Eu próprio era assim ao tempo da minha juventude
louro, esbelto e de boa estatura;
Os teus olhos serão vastos como os da tua mãe
por vezes com traços de amargura
de tristeza,
a fronte será clara até ao infinito.
Terás também uma bela voz
a minha era horrível.
As canções que cantares
partirão corações
e serás um conversador brilhante.
Eu também era mestre em tal matéria
quando não me punham com os nervos em franja.
O mel fluirá da tua boca
Ah Mémet
que devastador de corações
tu vais ser!
É difícil criar um filho sem a presença do pai
Não magoes a tua mãe
se eu não pude dar-lhe alegrias
dá-lhas tu.
A tua mãe
forte e branda como a seda.
A tua mãe
ainda será bela quando tiver idade para ser avó.
Como no primeiro dia em que a vi
na margem do Bósforo
tinha ela dezassete anos.
Ela era o luar
e a luz do dia
Fazia lembrar uma rainha-cláudia.
A tua mãe,
uma manhã como de costume
separou-se de mim: Até logo!
Nunca mais nos vimos.
A tua mãe
na sua bondade a melhor das mães
que viva cem anos
e que Deus a proteja.
Eu, meu filho, não tenho medo de morrer.
Mas não obstante
por vezes quando estou a trabalhar
de repente
estremeço
ou então na solidão que precede o sono.
É difícil contar os dias
Não podemos saciar-nos do mundo
Mémet
não podemos saciar-nos.
Não vivas na terra
à maneira de um locatário
ou em vilegiatura
na natureza
Vive neste mundo
como se ele fosse a casa do teu pai
acredita nas sementes
na terra, no mar,
mas em primeiro lugar no homem.
Ama a nuvem, a máquina e o livro,
mas em primeiro lugar ama o homem.
Sente a tristeza
da árvore que seca
do planeta que se extingue
do animal enfermo,
mas em primeiro lugar a tristeza do homem.
Que todos os bens terrestres
te dêem alegria em profusão,
Que a sombra e a claridade
te dêem alegria em profusão
Que as quatro estações
te dêem alegria em profusão,
mas em primeiro lugar que o homem
te dê alegria em profusão.

A nossa pátria, a Turquia
é um belo país
entre os demais países
e os seus homens
aqueles que não se turvaram
são trabalhadores
meditativos e corajosos
mas horrivelmente miseráveis.
Já sofremos e havemos de sofrer mais
mas no fim a conclusão será esplêndida.

Tu, neste país, com o teu povo,
construirás o comunismo
vê-lo-ás com os olhos
tocá-lo-ás com as mãos.

Mémet, morrerei talvez
longe da minha língua
longe das minhas canções
longe do meu sal e do meu pão,
com a nostalgia da tua mãe e de ti
do meu povo e dos meus camaradas.
Mas não no exílio
não no estrangeiro
Morrerei no país dos meus sonhos
na cidade branca dos meus melhores dias,
Mémet, meu pequeno,
confio-te ao Partido comunista turco
Vou-me embora mas estou calmo
a vida que em mim se apaga
continuará em ti por muito tempo
E no meu povo, eternamente.


Nazim Hikmet

Monday 18 March 2013

O PODER E A VIOLÊNCIA


Não vamos discutir se,
quando o tínhamos, tirámos
algum proveito do poder
- agora que já o não temos.

Não vamos discorrer sobre
a necessidade ou não da violência - agora
que a violência nos deitou por terra.


Bertolt Brecht

Friday 15 March 2013

CARTA A FIDEL



CAMARADA FIDEL

Li a tua carta na qual anuncias a decisão de não te candidatares ao cargo de Presidente do Conselho de Estado de Cuba. Decisão irrevogável, dizes, e explicas porquê.
E eu, que me habituei desde há muito a ouvir-te a palavra exacta no momento exacto, penso que também desta vez assim é.
Mas tenho pena que assim seja. E estou certo de que não sofro sozinho essa pena.
Sabes, melhor do que eu, que a tua doença preocupou – e preocupa – milhões de homens, mulheres e jovens em todo o mundo; milhões de pessoas que te têm como referência marcante das suas vidas; que guardam nas suas memórias, de forma imperecível, o teu contributo para a luta de libertação e emancipação dos povos, o teu exemplo de revolucionário digno, íntegro, vertical, de corpo inteiro.
Sabes, melhor do que eu, que construíste História – que, sem ti, sem a tua intervenção, sem o teu pensamento, sem o teu exemplo de lucidez, de coragem e de dignidade, a História teria sido diferente - e não apenas no que diz respeito a Cuba.
Sabes, melhor do que eu, que, na situação actual, a luta dos comunistas em qualquer parte do mundo é indissociável da experiência da Revolução cubana na perspectiva que, com a palavra exacta, no momento exacto definiste: «Revolução é sentido do momento histórico; é mudar tudo o que deve ser mudado; é igualdade e liberdade plenas; é ser tratado e tratar os demais como seres humanos: é emanciparmo-nos com os nossos próprios esforços; é desafiar as poderosas forças dominantes dentro e fora do âmbito social e nacional; é defender valores nos quais se crê seja qual for o sacrifício necessário; é modéstia, desinteresse, altruísmo, solidariedade e heroísmo; é lutar com audácia, inteligência e realismo; é não mentir jamais, nem violar princípios éticos; é convicção profunda de que não existe força no mundo capaz de esmagar a força da verdade e das ideias. Revolução é unidade, é independência, é lutar pelos nossos sonhos de justiça para Cuba e para o mundo, que é a base do nosso patriotismo, do nosso socialismo e do nosso internacionalismo.»
Sabes, melhor do que eu, que o papel singular que desempenhaste em todo o processo revolucionário cubano, desde Moncada até aos dias de hoje, constitui uma referência, um estímulo, uma fonte de inspiração para os revolucionários de todo o mundo.
Sabes, melhor do que eu, que nesses tempos longínquos de Moncada – em que caracterizaste com rigor cirúrgico o carácter da ditadura de Baptista e definiste a insurreição armada como a forma de luta decisiva para a derrubar – iniciaste uma caminhada revolucionária que ficará na história da humanidade como um dos seus momentos gloriosos.
Sabes, melhor do que eu, que da longínqua madrugada de 26 de Julho de 1953, os revolucionários de todo o mundo recordam com emoção o que disseste – a palavra exacta no momento exacto - aos 135 revolucionários que, contigo, iam dar o primeiro passo para o derrubamento da ditadura: «Camaradas: dentro de algumas horas, venceremos ou seremos vencidos. De qualquer forma, camaradas, o movimento triunfará. Se vencermos, alcançaremos mais depressa as aspirações de Marti; se formos vencidos, o nosso gesto servirá de exemplo para o povo de Cuba e ele empunhará a bandeira e seguirá em frente. O povo apoiar-nos-á no Oriente e em toda a Ilha. Camaradas, aqui, no Oriente, damos o primeiro grito de Pátria ou Morte, Venceremos!.»
Sabes, melhor do que eu, que desse tempo, guardamos nas nossas memórias esse texto notável – certamente a mais bela proclamação de rebeldia alguma vez produzida - que foi a tua defesa perante o tribunal fascista, onde, com a palavra exacta demonstraste, no momento exacto, o carácter ilegal, imoral, reaccionário, da ditadura; e fundamentaste a razão moral e jurídica da violência revolucionária face à situação; e explicaste a opção pelo caminho das armas; e concluíste que chegara o momento de substituir a arma da crítica pela crítica das armas; e proclamaste que «o direito à rebelião contra o despotismo está na própria raiz da nossa existência política»; e invocaste o direito à liquidação dos tiranos – sempre a palavra exacta no momento exacto, olhando de frente os juízes fascistas, convertendo os acusados em acusadores, desmascarando-os frontalmente como lacaios do Poder estabelecido, dizendo-lhes: «Condenai-me, não tem importância, a História me absolverá».
Sabes, melhor do que eu, todos os passos dados rumo à libertação de Cuba: aquele dia 25 de Novembro de 1956 em que, no Granma superlotado (no barco cabiam umas 25 pessoas e iam lá 82) partiste do México «rumo ao nascer do sol» - procurando levar o maior número de armas e não te preocupando, nem tu nem nenhum dos teus companheiros, com as provisões, cuja enunciação minuciosa leio sempre com lágrimas de comoção: «2000 laranjas, dois presuntos partidos às fatias, 48 latas de leite condensado, uma caixa de ovos, cem tabletes de chocolate e quatro quilos de pão».
Sabes, melhor do que eu, que mais importante do que as provisões era, para ti e para os que te acompanhavam a provisão das vossas fortes convicções revolucionárias, da vossa determinação inabalável, da vossa incomensurável coragem – e de uma muito grande confiança no apoio do povo de Cuba à vossa luta.
Sabes, melhor do que eu, que três anos depois, o povo cubano e os revolucionários de todo o mundo festejavam a vitória da Revolução, a tua entrada em Havana, o início da passagem a uma outra fase da longa caminhada.
Sabes, melhor do que eu, dos ataques de que Cuba foi alvo ao longo dos anos por parte dos sucessivos governos dos EUA: o criminoso bloqueio; os actos terroristas contra bens, equipamentos e pessoas, traduzidos nomeadamente na perda de mais de 3500 vidas humanas; a destruição de colheitas; as tentativas de invasão de Cuba; a intensa e feroz campanha mediática que, recorrendo às mais grosseiras provocações, falsidades e calúnias, é suporte essencial de todas as linhas da ofensiva imperialista contra a revolução cubana; enfim, o vale-tudo que caracteriza a prática do imperialismo norte-americano nas suas ofensivas contra os países e povos que, com dignidade, persistem na defesa da sua soberania e independência e, com dignidade, se recusam a enfileirar o rebanho de fiéis cumpridores das ordens emanadas dos bush’s de todas as épocas – um vale-tudo onde não faltaram as centenas de atentados contra a tua vida.
Sabes, melhor do que eu, da resistência vitoriosa da revolução cubana face à ofensiva que se seguiu ao desaparecimento da União Soviética, nesse tempo particularmente difícil para todos os partidos comunistas e de fragilização do movimento comunista internacional, com o desaparecimento ou descaracterização de vários partidos comunistas - mas também um tempo em que muitos outros partidos, como o Partido Comunista de Cuba – e como, deixa-me que te diga com orgulho, o meu Partido Comunista Português - resistiram, e assumiram e reafirmaram a sua identidade comunista, e proclamaram orgulhosamente que fomos, somos e seremos comunistas.
Sabes, melhor do que eu, desse tempo em que os coveiros de serviço proclamavam a morte do comunismo e a vitória definitiva do capitalismo e decretavam o desaparecimento de Cuba socialista: «é uma questão de dias»,: vaticinavam uns; «é uma questão de semanas»: prognosticavam outros; «é uma questão de meses»: garantiam terceiros – e que tu disseste a palavra exacta no momento exacto: resistir! E, assim, tu e o teu povo tornaram possível o que fora decretado como impossível: proclamaram a resistência e venceram.
Sabes, melhor do que eu, como essa vitória levou a esperança e a confiança a milhões de pessoas em todo o planeta, e foi um incentivo à continuação da luta, e mostrou a importância fundamental de lutar seja qual for a situação que se nos depare.
Sabes, melhor do que eu, da solidariedade internacionalista da revolução cubana com a luta de todos os povos do mundo:
- em Angola, onde os heróicos soldados cubanos destroçaram a ofensiva da África do Sul do apartheid conjugada com o imperialismo norte-americano e os fantoches da UNITA; e em vários outros países onde dezenas de milhares de médicos e professores cubanos, revolucionariamente, desenvolvem uma acção de elevado conteúdo civilizacional, levando os cuidados de saúde a milhões de pessoas que jamais haviam visto um médico, ensinando a ler milhões de analfabetos.
Sabes, melhor do que eu, que a ofensiva imperialista contra a revolução cubana vai prosseguir e intensificar-se e que o povo cubano vai continuar a viver momentos difíceis.
Mas – e essa é a questão crucial - sabes, melhor do que ninguém, que a determinação do teu povo de, com coragem e dignidade revolucionárias, continuar a resistir a essa ofensiva e a superar as suas consequências, constitui o dado mais relevante da situação cubana actual. E sabes, melhor do que ninguém, que a Revolução criou gerações de quadros revolucionários que prosseguirão a luta que tu iniciaste.
E por tudo isto, sabes, melhor do que ninguém, que o povo cubano está preparado para, 55 anos depois, repetir em uníssono o grito de Moncada.
E sabendo tudo isto melhor do que ninguém, sabes, camarada Fidel, quanto te devem o Partido, a Revolução, o Povo de Cuba, os revolucionários de todo o Planeta.
Sabes, por isso, que nos fazes muita falta, mas sabes que tudo o que nos deste é parte da nossa força, porque é património inalienável do nosso ideal comunista e da nossa determinação de lutar até à vitória final.
Camarada Fidel: em todo o mundo, milhões de homens, mulheres e jovens sentem como sua a revolução cubana e nela encontram os valores, os princípios, os objectivos da luta que travam todos os dias nos seus próprios países.
Alguém escreveu, que «a grandeza da revolução cubana pertence-nos a todos».
Se assim é – e é - tu, camarada Fidel, artífice maior dessa Revolução, pertences-nos, és nosso.
E serás sempre o nosso «Comandante en Chefe».
Até à vitória final.
A luta continua.

Fernando Samuel
22.2.2008

Tuesday 12 March 2013

A VIAGEM


A viagem fazemo-la num qualquer modesto cargueiro.
Existe ainda um porto onde não tivéssemos tocado?
Existe alguma espécie de tristeza que ainda não tivéssemos cantado?
O horizonte que a cada manhã tínhamos pela frente
não era igual ao que à noite deixávamos para trás?
Quantas estrelas desfilaram à nossa frente
roçando as águas?
Não era cada aurora o reflexo
da nossa nostalgia?

Mas é em frente que vamos, não é verdade?
É em frente que vamos.


Nazim Hikmet

Saturday 9 March 2013

DE CADA VEZ QUE UM GOVERNO...



De cada vez que um governo necessita de segredos,
por segurança do Estado
ou para melhor êxito
nas negociações internacionais,
é o mesmo que negar,
como negaram sempre desde que o mundo é mundo,
a liberdade.

Sempre que um povo aceita que o seu governo,
ainda que eleito com quantas tricas já se sabe,
invoque a lei e a ordem para calar alguém,
como fizeram sempre desde que o mundo é mundo,
nega-se
a liberdade.

Porque, se há algum segredo na vida pública
que todos não podem saber
é porque alguém, sem saber,
é o preço do negócio feito.
E se há uma ordem e uma lei que não inclua
mesmo que seja o último dos asnos e dos pulhas
e o seu direito a ser como nasceu ou o fizeram,
a liberdade
é uma farsa,
a segurança
é uma farsa,
a ordem é uma farsa,
não há nada que não seja uma farsa,
a mesma farsa representada sempre
desde que o mundo é mundo,
por aqueles que se arrogam ser
empresários dos outros
e nem pagam decentemente
senão aos maus actores.

Jorge de Sena

Wednesday 6 March 2013

PARA VÓS O MEU CANTO...



Para vós o meu canto, companheiros da vida!
Vós que tendes os olhos profundos e abertos;
vós, para quem não existe batalha perdida,
nem desmedida amargura,
nem aridez nos desertos;
vós, que modificais o leito dum rio;

- nos dias difíceis sem literatura,
penso em vós: e confio;
penso em mim: e confio;

- para vós os meus versos, companheiros da vida!

Se canto os búzios, que falam dos clamores,
das pragas imensas lançadas ao mar
e da fome dos pescadores,
- penso em vós, companheiros,
que trazeis outros búzios pra cantar...

Acuso as falas e os gestos inúteis;
aponto as ruas tristes da cidade
e crivo de bocejos as meninas fúteis...

Mas penso em vós e creio em vós, irmãos,
que trazeis ruas com outra claridade
e outro calor no apertar das mãos.

E vou convosco - definido e preciso,
erguido ao alto como um grito de guerra,
à espera do Dia do Juízo...

Que o Dia do Juízo
Não é no Céu... é na Terra!


Sidónio Muralha

Sunday 3 March 2013

CHAMA QUE NENHUM VENTO APAGA...


A Revolução
parece às vezes que pára
ou que recua
tornando mais funda a escuridão
e a noite menos clara
- como se qualquer Mágica Mão
apagasse o sol dentro da lua.

Mas só os medrosos temem
que a viagem
para a Manhã do Renovo
com limpidez de sémen
termine
- antes que cheguemos à paisagem
sonhada para o povo
por Lenine.

Não. A nossa Revolução
ainda não acabou
nem tão cedo acaba
- como no alto mar
não gela nenhuma vaga
ao sol de Verão.

Não. A nossa Revolução
continuará,
chama que nenhum vento apaga
- enquanto no coração
dos ricos-senhores
doer a ameaça
de os cavadores vermelhos
(o tojo inútil, os estevais, o rasto
das lebres e dos coelhos)
- guiados pelo malogro,
o asco
e a esperança
da sombra de fogo
da Voz do Vasco
colérica e doce.

José Gomes Ferreira

Friday 1 March 2013

À morte voraz


À morte voraz,
nem boa, nem má,
tanto se lhe dá
levar o audaz,
levar o sagaz,
levar o tenaz,
levar o mordaz,
levar o capaz,
levar o incapaz.
As destrinças que há
a vida é que as faz.

Armindo Rodrigues