Friday 30 May 2014

Cansaço


Por trás do espelho quem está

De olhos fixados no meus?
Alguém que passou por cá
E seguiu ao Deus dará
Deixando os olhos nos meus.

Quem dorme na minha cama
E tenta sonhar meus sonhos?
Alguém morreu nesta cama
E lá de longe me chama
Misturado nos meus sonhos.

Tudo o que faço ou não faço
Outros fizeram assim
Daí este meu cansaço
De sentir que quanto faço
Não é feito só por mim.

Luís de Macedo

Tuesday 27 May 2014

Tudo é foi


Fecho os olhos por instantes.
Abro os olhos novamente.
Neste abrir e fechar de olhos
já todo o mundo é diferente.

Já outro ar me rodeia;
outros lábios o respiram;
outros aléns se tingiram
de outro Sol que os incendeia.

Outras árvores se floriram;
outro vento as despenteia;
outras ondas invadiram
outros recantos de areia.

Momento, tempo esgotado,
fluidez sem transparência.
Presença, espectro da ausência,
cadáver desenterrado.

Combustão perene e fria.
Corpo que a arder arrefece.
Incandescência sombria.
Tudo é foi. Nada acontece.

António Gedeão

Saturday 24 May 2014

TEIA


São os anos contados
pelos dedos
*
um a um devagar pelas ruínas
entre a paixão, poemas e segredos
que no mar não vêm ao de cima
*
Mas são as cordas, as harpas
e os dedos
*
Mas são as lágrimas, as dúvidas
e são os medos
*
Que desfazendo, fazendo e refazendo
o tempo vai tecendo
mo nosso corpo ainda.

Maria Teresa Horta

Wednesday 21 May 2014

Acusam-me de mágoa e desalento


Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que não me cale:
Até que muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se confia a sua dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

Carlos de Oliveira

Sunday 18 May 2014

NUEVO CANTO DE AMOR A STALINGRADO


Yo ESCRIBÍ sobre el tiempo y sobre el agua,
describí el luto y su metal morado,
yo escribí sobre el cielo y la manzana,
ahora escribo sobre Stalingrado.
Ya la novia guardó con su pañuelo
el rayo de mi amor enamorado,
ahora mi corazón está en el suelo,
en el humo y la luz de Stalingrado.
Yo toqué con mis manos la camisa
del crepúsculo azul y derrotado:
ahora toco el alba de la vida
naciendo con el sol de Stalingrado.
Yo sé que el viejo joven transitorio
de pluma, como un cisne encuadernado,
desencuaderna su dolor notorio
por mi grito de amor a Stalingrado.
Yo pongo el alma mía donde quiero.
Y no me nutro de papel cansado
adobado de tinta y de tintero.
Nací para cantar a Stalingrado.
Mi voz estuvo con tus grandes muertos
contra tus propios muros machacados,
mi voz sonó como campana y viento
mirándote morir, Stalingrado.
Ahora americanos combatientes
blancos y oscuros como los granados,
matan en el desierto a la serpiente.
Ya no estás sola, Stalingrado.
Francia vuelve a las viejas barricadas
con pabellón de furia enarbolado
sobre las lágrimas recién secadas.
Ya no estás sola, Stalingrado.
Y los grandes leones de Inglaterra
volando sobre el mar huracanado
clavan las garras en la parda tierra.
Ya no estás sola, Stalingrado.
Hoy bajo tus montañas de escarmiento
no sólo están los tuyos enterrados:
temblando está la carne de los muertos
que tocaron tu frente, Stalingrado.
Tu acero azul de orgullo construido,
tu pelo de planetas coronados,
tu baluarte de panes divididos,
tu frontera sombría, Stalingrado.
Tu Patria de martillos y laureles,
la sangre sobre tu esplendor nevado,
la mirada de Stalin a la nieve
tejida con tu sangre, Stalingrado.
Las condecoraciones que tus muertos
han puesto sobre el pecho traspasado
de la tierra, y el estremecimiento
de la muerte y la vida, Stalingrado
La sal profunda que de nuevo traes
al corazón del hombre acongojado
con la rama de rojos capitanes
salidos de tu sangre, Stalingrado.
La esperanza que rompe en los jardines
como la flor del árbol esperado,
la página grabada de fusiles,
las letras de la luz, Stalingrado.
La torre que concibes en la altura,
los altares de piedra ensangrentados,
los defensores de tu edad madura,
los hijos de tu piel, Stalingrado.
Las águilas ardientes de tus piedras,
los metales por tu alma amamantados,
los adioses de lágrimas inmensas
y las olas de amor, Stalingrado.
Los huesos de asesinos malheridos,
los invasores párpados cerrados,
y los conquistadores fugitivos
detrás de tu centella, Stalingrado.
Los que humillaron la curva del Arco
y las aguas del Sena han taladrado
con el consentimiento del esclavo,
se detuvieron en Stalingrado.
Los que Praga la Bella sobre lágrimas,
sobre lo enmudecido y traicionado,
pasaron pisoteando sus heridas,
murieron en Stalingrado.
Los que en la gruta griega han escupido,
la estalactita de cristal truncado
y su clásico azul enrarecido,
ahora dónde están, Stalingrado?
Los que España quemaron y rompieron
dejando el corazón encadenado
de esa madre de encinos y guerreros,
se pudren a tus pies, Stalingrado.
Los que en Holanda, tulipanes y agua
salpicaron de lodo ensangrentado
y esparcieron el látigo y la espada,
ahora duermen en Stalingrado.
Los que en la noche blanca de Noruega
con un aullido de chacal soltado
quemaron esa helada primavera,
enmudecieron en Stalingrado.
Honor a ti por lo que el aire trae,
lo que se ha de cantar y lo cantado,
honor para tus madres y tus hijos
y tus nietos, Stalingrado.
Honor al combatiente de la bruma,
honor al Comisario y al soldado,
honor al cielo detrás de tu luna,
honor al sol de Stalingrado.
Guárdame un trozo de violenta espuma,
guárdame un rifle, guárdame un arado,
y que lo pongan en mi sepultura
con una espiga roja de tu estado,
para que sepan, si hay alguna duda,
que he muerto amándote y que me has amado,
y si no he combatido en tu cintura
dejo en tu honor esta granada oscura,
este canto de amor a Stalingrado.

Pablo Neruda

Thursday 15 May 2014

Se bastasse dar um grito


Se bastasse dar um grito para que soubessem!
Se bastasse chorar alto, escrever cartas,
se bastasse andar nu para que notassem!
Tu, Nai, não compreenderás. Eles entretêm-se
a beber cerveja, a falar de mulheres,
a crer em Deus. E não adivinham
que as mãos as tenho negras
de tanto construir castelos de sangue.
Parece que querem dizer que não é tão vero
como eu penso. Oh, Nai, não compreendas,
não compreendas nunca, nem perdoes,
escreve-lho na fronte com arame,
grita-o da varanda, até que morram
de tanto o saberem, Nai, e o mundo rebentar.
Ai, se bastasse morrer para que acreditassem,
havia de amar-te com o sangue dos outros.

Miguel Ângel Riera

Monday 12 May 2014

LIMITE


Não pretendo mais do que o limite
que para além do limite
já se entrega
*
Eu cumpro os meus
limites
não cumprindo as regras

Maria Teresa Horta

Friday 9 May 2014

SOBRE A PAZ


Às vezes a paz
não passa de medo,
medo de ti, de mim,
medo de nós, que não queremos a noite.
Às vezes a paz
não passa de medo.

Às vezes a paz
tem gosto de morte.
Dos mortos para sempre,
dos que são só silêncio.
Às vezes a paz
tem gosto de morte.

Às vezes a paz
é como um deserto
sem vozes nem árvores
como um vazio imenso onde os homens morrem.
Às vezes a paz
é como um deserto.

Às vezes a paz
fecha as bocas
e ata as mãos
só nos deixa as pernas para fugir.
Às vezes a paz.

Às vezes a paz
não é mais do que
uma palavra vazia
para não dizer nada.
Às vezes a paz.

Às vezes a paz
faz muito mais mal,
às vezes a paz
faz muito mais mal.
Às vezes a paz.

Raimon

Tuesday 6 May 2014

Balada das onze e meia


Onze e meia: meia hora
para acabar este dia.
Meia hora ainda é hoje.
Meia hora é amanhã.

Às onze e meia da noite
vai haver muita pancada
num bar da rua das Pretas.

Vai haver muita mudança
nos decretos aprovados.

Às onze e meia da noite
no quarto não se ouve nada
mas no berço uma criança
dorme o sono dos poetas
que andam subalimentados.

Às onze e meia da noite
direi vinte e três e trinta.

Acordo o galo vermelho
com dois murros no pescoço.

Canta, canta, meu pelintra
o dia de hoje é tão velho
que amanhã já estamos mortos.

Às onze e meia da noite
os ódios nunca estão fartos.

Às onze e meia da noite
a morte anda lá por fora
a pedir contas à vida
e os polícias têm medo
da própria sombra que pisam.

Onze e meia. Está na hora.

No relógio ainda é cedo.

Os ponteiros não deslizam.

Às onze horas e meia
esperamos por amanhã.
Chega a noite para a ceia
com dois pezinhos de lã.

Passam gatunos, canalhas
com seus múltiplos perfis.

Caem corpos e navalhas
no silêncio dos lancis.

Onze e meia. A meia hora
que falta, nunca mais passa.

Não passa. Nunca mais passa.

Eu sei lá quanta desgraça
se apodera em meia hora
das ruelas e dos becos
que apodrecem na cidade!

São onze e meia. É agora
que os olhos verdes dos cegos
pressentem a claridade.

Às onze e meia da noite
o vento não bate à porta
nem quer saber de mais nada.
Às onze e meia da noite
no bar da rua das Pretas
continua a haver pancada.

Às onze e meia da noite
os cães disputam a dente
uma cadela aluada.

Às onze e meia da noite
há travestis no Rossio
à pesca dos marinheiros
que deixaram o navio
e fazem ondas de cio
no sangue dos paneleiros.

Bateram as onze e meia.

Só faltam trinta minutos.

Acende-se a lua cheia
na rua dos Sapateiros.

São onze e meia da noite
e eu quero ficar contigo
entre lençóis de algodão.

Fincar no flanco uma espora.

Cavalgar por meia hora.

Dar rédeas ao coração.

Às onze e meia da noite
é tempo de solidão.

E nas entranhas do medo
fazem-se filhos diversos.
Como um padeiro faz versos
ou um poeta faz pão.

Às onze e meia da noite.

Às onze e meia da noite
recebem-se embaixadores
e à mesma hora os porteiros
afugentam os trapeiros
vestidos de malfeitores.

Às onze e meia da noite
a Primavera passou-se
para o lado do Outono.
E uma Maria qualquer
nas alamedas do sono
cansada de ser mulher
às onze e meia matou-se.

Em ponto. São onze e meia.

Esta noite os redimidos
hão-de fazer por esquecer.

Bem comidos e bebidos
não tardam a adormecer.

E um frasco de comprimidos
na mesa de cabeceira
vai ajudar os sentidos
a cozer a bebedeira.

Às onze e meia da noite.

Às onze e meia da noite
num gabinete privado
(como a irmã cotovia)
o tipo que está ao lado
cantou tudo o que sabia
para subir de ordenado.

Às onze e meia da noite
rastejam cobras na lama
onde afocinham as putas
Senhoras Donas da Cama.
Mas as putas que são putas.
Não as que têm a fama.

São onze e meia da noite.

Já só falta meia hora.

Apenas trinta minutos.

Às onze e meia da noite
ponho a tristeza de lado
e uma gravata de seda.

Quero ouvir cantar o fado.

Quero dar uma facada
no galo da consciência.

Quero menos paciência
e um pouco mais de loucura.

E enquanto são onze e meia
e ainda dura a pancada
no bar da rua das Pretas
os putos fazem punhetas
em jeito de habilidde
apenas com quatro dedos.
E descobrem os segredos
de nascerem portugueses
filhos de um povo adiado.

Feitos aqui e agora.

Quando falta meia hora
para acabar o passado.

 Joaquim Pessoa
in Português Suave

Saturday 3 May 2014

VEJO-OS PASSAR FUGAZMENTE


Vejo-os passar fugazmente, com difíceis
sorrisos, cheios de palavras inúteis,
que eles vaziaram quase sem reparar,
ao fim duns anos de verem a mesma
cara ao espelho, ao largo de uma revolta
que os sobressaltou há tempos e agora não sabem
o que hão-de fazer dela. Cada vez mais externo,
não há nada deles, apesar dos fatos únicos,
apesar do gesto que ensaiam cada noite
com um desassossego ansioso de primado.
Para quê saber quem são e donde vêm?
Acompanhados de fantasmas e sombras,
satisfatoriamente dotados, tristes objectos
que se forjaram, às cegas marcham
pelos poucos caminhos em que a estrela brilhe.

Francesc Vallverdú

Thursday 1 May 2014

MEU PRIMEIRO DE MAIO


Todos
que marchais pelas ruas
e deteis as máquinas e as fábricas,
todos
desejosos de chegar a nossa festa
com as costas marcadas pelo trabalho,
saí a 1º de Maio,
o primeiro dos dias.
Recebê-lo-emos, camaradas,
com a voz entrecortada de canções.
Primavera,
derretei a neve.
Eu sou operário,
este dia é meu.
Eu sou camponês,
este dia é meu.

Todos,
estendidos nas trincheiras
esperando a morte infinita,
todos
os que num carro blindado
atiram contra seus irmãos,
escutai:
Hoje é 1º de Maio.
Partamos ao encontro
do primeiro dos nossos dias,
enlaçando as mãos proletárias.
Calai vossos morteiros!
Silêncio, metralhadoras!
Eu sou soldado,
este dia é meu.

Todos,
das casas,
das praças,
das ruas,
encolhidos pelo gelo invernal,
todos
torturados de fome,
das estepes,
dos bosques,
dos campos,
saí neste 1º de Maio!
Glória à gente fecunda!
Desabrochai, primavera!
Verde campos, cantai!
Soai sirenes e apitos!
Eu sou de ferro,
este dia é meu.
Eu sou a terra,
este dia é meu!


Maiakovsky