Thursday 9 January 2020

CONSEQUÊNCIAS DA FUGA DE PENICHE

Álvaro Cunhal foi um dos dez dirigentes comunistas que, no dia 3 de Janeiro, se evadiram do Forte de Peniche - e que, como todos os outros, retomou de imediato a actividade clandestina antifascista.

É sabido que, pela vasta e importante obra teórica produzida e pelo papel singular que desempenhou na construção do PCP como partido marxista-leninista, Álvaro Cunhal se afirmou como figura maior do movimento comunista internacional e como «o mais relevante operário da notável construção colectiva que é o PCP».
Os seus 75 anos de militância revolucionária - desde o início dos anos 30, altura em que aderiu ao Partido, até ao fim dos seus dias - foram marcados pela preocupação dominante de, integrando o colectivo partidário, fazer do PCP o partido revolucionário que é.
E a sua singular intervenção foi de tal modo impressiva que falar da sua vida e da sua acção significa falar da vida e da história do Partido.

Na sequência da fuga de Peniche, Álvaro Cunhal desempenhou um papel crucial no combate, e na posterior correcção, do desvio de direita em que o PCP mergulhara - desvio caracterizado por uma errada avaliação da situação nacional que via como «traço dominante da situação política nacional, a desagregação irreversível do regime fascista» e apontava a «via pacífica» como caminho para pôr fim à ditadura salazarista.
A partir de dois notáveis trabalhos de Álvaro Cunhal - A Tendência Anarco-Liberal na Organização do Trabalho de Direcção e O Desvio de Direita nos Anos 1956-1959 (1) - desenvolveu-se um intenso debate interno que, apesar das limitações impostas pela clandestinidade, envolveu parte grande do colectivo partidário.

O desvio de direita foi corrigido, foi retomada a linha do «levantamento nacional» como caminho para o derrubamento da fascismo, o Partido voltou a assumir o seu papel de vanguarda.
Os efeitos da correcção do desvio de direita foram visíveis desde logo na acção, na dinâmica e no conteúdo da intervenção do PCP: na vaga de lutas dos anos de 1961 e de 1962 - neste caso com o maior 1º de Maio de sempre na história do movimento operário português e com a formidável conquista das oito horas de trabalho pelo proletariado rural do Sul.

Os efeitos da correcção do desvio projectaram-se igualmente em todo o processo que conduziu à construção do histórico VI Congresso do Partido, cuja influência na revolução portuguesa iria ser determinante.
O VI Congresso - que viria a consagrar a correcção ao desvio de direita - contou, no seu processo preparatório, com um precioso contributo de Álvaro Cunhal: o Rumo à Vitória.
Trata-se de um trabalho no qual Álvaro Cunhal procede à abordagem da «linha política e táctica do Partido na actual etapa da revolução» e em que, a partir da caracterização rigorosa da situação política portuguesa - natureza de classe da ditadura fascista; definição da sua base económica e da arrumação de forças sociais, do papel forças antifascistas, da classe operária e do Partido - define os objectivos da revolução democrática e nacional, aponta a via para o derrubamento do fascismo, define uma política de unidade antifascista e define as tarefas do Partido... rumo à vitória.

«E o Rumo à Vitória foi isso mesmo: rumo à vitória que chegaria em Abril de 1974 e se desenvolveria no processo transformador da revolução portuguesa.
O Rumo à Vitória esteve nas ruas, nas fábricas, nos escritórios, nos campos, nas escolas; esteve nas políticas dos governos provisórios; esteve na acção dos militares revolucionários e progressistas e no Programa do MFA; esteve nas importantes conquistas revolucionárias alcançadas pelo movimento operário e popular, ou seja: o processo revolucionário seguiu a par e passo os passos rigorosamente definidos dez anos antes.
E é ainda rumo à vitória esta luta que há (mais de) trinta anos travamos contra a política de direita, que é a política da contra-revolução de Abril».


(1) Estes dois trabalhos integram o II Volume das Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal, recentemente publicado pelas Edições Avante - livro que, tal como o 1º Volume, é de leitura imprescindível.