Thursday 12 January 2012

A um espantalho


Estás aqui a quê, espanta-pássaros? Ridícula
a tua pretensão, tu, tão frágil, grotesco,
armado de olhos mortos e cabeça empalhada.
Que podes tu fazer às pobres aves,
tão inútil que és - jornais e velhas roupas -
espeto solitário no meio da seara?
Mas é verdade, sim! Espantas, é bem certo!
Oh, vinde ver, incréus! Maravilha! As aves
afastam-se, voam longe, miram-no de lado,
buscam outras paragens. O trigo está guardado,
intocável... Que impotência (dos pássaros)
justifica tal coisa, que jeito em seu aspecto,
que truque alimenta esse receio? Que possui
para dar de fiador a um tal respeito? Paro
na margem deste campo; olho-te, espantalho. Nada
sei de ti e nada posso ler em teu perfil.
Surpreso assisto a desafiares a vida, hirto
papão, de olhos cegos ao mundo. (Serão olhos
os botões cosidos ao pano do teu rosto?)
Verifico daqui que o vivo te repele;
que as aves temem a tua maligna sombra
e somente longe engordam, nidificam,
procriam. Produzes apenas o silêncio
que eu em vão interrogo. Que mortalha sugeres?
Que horror te colaram ao dar-te forma humana?


Egito Gonçalves