Sunday 1 January 2012

Minuto de silêncio em Buchenwald


Este minuto não é da minha morte!

Respiro normalmente
mas vejo num relance anos desfeitos
na ferrugem de ciclos,
na corrosão da juventude; anos
passados em furor, no estremecer da teia;
longo itinerário de textos cifrados onde
as atropelam imagens
que transportam um tempo calcinado
em amargura. Dois camaradas avançam,
colocam
no solo
a homenagem dos poetas. Distingo
o ruído de botas
no ar cinzento que conduz à morte,
o zumbido em atalho de angústia
que partilhei, imaginando. Concentro-me
pois sei que um sorriso então me salvará
da obsessão. Não se tolera
esta descida; mantém-se
em só lamento, invocação
de palavras no rastro das algemas
que se sabem abertas. A memória da dor
não é a dor; assim a reconheço
no decepar do grito mais claro
que a esperança criou há trinta anos
ao renascer as ruas num rio de alegria.
Em torno da torre,
ondas de névoa rasgadas de fantasmas
simulam o mármore do isolamento. Penso
em Abril - um ano; e pude
estar aqui! - um ano; e pude
estar aqui! Ter vivido! Chegado
ao solene minuto
numa linha de bétulas,
para verter a emoção que deixo
- neste instante de silêncio -
livremente rolar no chão sagrado
se Buchenwald.

(1975)


Egito Gonçalves