Sunday, 24 May 2020
Poema 26
Ninguém fala dessa mãe orfã,
essa mãe que é filha, também. Com
o rosto fugindo pelos braços e os pés
já descolados da infância. A boca
irradia-lhe a nudez, os ombros adoecem
de ternura. Um vento de mulher, de mãe, de filha-mãe,
está doendo na língua, mas não sopra. Lâmpada gasta,
filamento frágil que quebrou uma extremidade.
Como os versos de um poeta,
esta mulher é cria do seu próprio parto
ao fazer-se fêmea, amor, colheita.
Com a dor de quem deixou no tempo
um fruto azul, uma boca solar,
esta mulher que já foi riso, árvore, boneca,
saúda as próprias mãos. E volta-se
para recordar as coisas do futuro.
Joaquim Pessoa
in À MESA DO AMOR