Friday 1 May 2020

O POETA


O poeta está sentado sobre
a pele do mar. É um poeta pobre mas
na sua fala as palavras são árvores, searas,
incêndios que deslumbram a luz das feridas
e sacodem o vento. No olhar do poeta, a paisagem
exibe-se em círculos de sabedoria e o espaço
é um fulgor tranquilo, não mais que o desejo
que a página tem do corpo do poema. E na
voz, cada sílaba é uma vértebra, breve chave
que se acende como lâmpada iluminando
um orifício azul no horizonte do que é dito,
um rebanho de símbolos sobre a duna
imensa e densa, por onde se repete o
movimento frágil que imola em chama breve,
o breve e deserto caminhar. E o poeta sabe
como as palavras se desdizem, dizendo-se.
Palavras de cal, de mármore e de fogo.
As palavras distantes de si mesmas e em
si mesmas próximas na distância, mapa
transgressivo, possibilidade inacessível
de ser presença e falta, ouro pobre que quer
libertar-se de ser promessa e substância. Então,
o poeta vê arder o mar, arder a sombra, arder
o próprio corpo. E não se importa, não
escolhe outro caminho que o desvie da
dor silenciosa de viver morrendo. De
morrer como quem vive.

Joaquim Pessoa