Tuesday 21 April 2020

AS MÃES


Depois de morrer, as mães vivem no céu da boca, ainda atarefadas com o amor. "Sou mulher", dizem, e tudo é criança nas suas palavras, sangue jovem glorificado pelos amantes
que tiveram em vida, um sangue contente capaz de regressar para sorrir nas nossas mãos e no coração das perguntas que em nós não conseguirão nunca adormecer.

As mães não param de arder no pensamento, como raparigas
que deixaram de ser jovens e são agora as mais jovens de todas as mulheres.
Há nelas uma canção cuja música é de seda e veste a vontade de cantar os versos que amadurecem a carne, pobres versos
repartidos filho a filho, dor a dor, até não doer nem haver
mais nada.
As mães são árvores enormes, onde cantam os pássaros
do arrependimento, fabulosos pássaros que têm exactamente a nossa idade.
Amo as mães. Amo as mães. Com o coração dos livros e o coração da terra.
E a minha memória é uma floresta onde vivem as mães, onde dormem as mães com o medo infantil das tempestades.

Joaquim Pessoa