Velho dos dias sem sol e das noites sem estrelas
que passas junto de mim apregoando,
apregoando cautelas,
- até quando?
Menina da casa estreita e sem janelas
que vives trabalhando, trabalhando...
- Quando virá o Dia, quando?
Quando vier, eu que estou à sua espera
hei-de sentir na minha poesia
um hálito de Primavera...
Mas não a Primavera dos sonetos de almanaque,
encarcerada em versos bafientos,
em que um sujeito de fraque
desfiava pensamentos...
Meus versos serão límpidos, correntes,
porque se beijam na rua os namorados
e não são indecentes nem decentes
- são simplesmente apaixonados.
Verei janelas rasgadas, fatos limpos,
mãos dadas numa franca simpatia,
- e hei-de sentir a Primavera
a desprender-se da minha poesia...
Até lá, um rio de raiva rola, ecoa
nos meus versos, rebenta no meu coração...
- E aquele que não me perdoa
que saiba que eu não peço o seu perdão!
Sidónio Muralha
(«Passagem de Nível» - 1942)