Thursday 12 January 2017

AS GRANDES ESPERANÇAS


«Grandes esperanças estão postas,
todas, sobre vós»,
dizem os senhores solenes: e também:
«Tomai,
aqui tendes a escola e a despensa. Sois maiores
e livres de escolher,
é claro sem imprudentes romantismos.
A verdade é que deveríeis estar-nos gratos.
No entanto bastam-nos as grandes esperanças,
bem vêdes, todas postas em vós».

Venho em cada manhã,
cada manhã venho para ver
o que não existia ontem,
como em nome do Pai se resolveu,
e como cada data livre foi entregue,
dada em aval, subscrita pelos
pais nossos
de cada dia.

Cada manhã venho para ver
que tudo está servido (ao entrar
saúdam-me, levantando os olhos, um momento)
e cada manhã pergunto-me,
cada manhã pergunto-me quantos somos
nós, e de quem vimos,
e que preço pagamos por essa confiança.

E talvez,
quem sabe, não vimos para isso.
A questão reduz-se a estar vivo um momento,
ainda que não mais do que um momento,
a estar vivo,
justamente nesse minuto,
quando escapamos
ao melhor dos mundos impossíveis.
O mundo onde nada importa - nem sequer
as grandes esperança que estão postas
todas sobre nós, todas,
e assim pesam

Jaime Gil de Biedma