Tuesday 12 July 2016

POEMA CENTÉSIMO TERCEIRO


"Para quando puder", é não ter
destino algum. Todo o sentido da vida
deixa de fazer sentido quando os sentidos
ordenam que me afaste, que coma de mim mesmo
o pão de cada dia. Ah, sim, "para quando puder"!
O sonho também traz sabedoria mas
até o sonho necessita de tempo. Pertenço
ao canto dos pássaros e, vejam! tenho as raízes
a florir! É por isso que não acredito no destino.
Acredito nas palavras. Acredito nas coisas
que podem ser mais fortes do que eu: beijos,
poemas, relâmpagos, ou raios de sol. O poeta
que há dentro de mim não tem destino,
o reencontro é sempre "para quando puder",
e isso divide-nos. Torna-nos, não direi desconhecidos,
mas irmãos com uma relação desconfortável
e, por vezes, nada tranquila. A boca é
uma espécie de coração, e o coração uma espécie
de moinho a rodar, a rodar sempre, macerando
a voz, moendo as sílabas para conseguir
a farinha própria para o pão das palavras
que quero servir à mesa do amor. E convido
o poeta para comermos em conjunto, mas
se não for possível nessa altura, ele sabe,
ficará, então, "para quando puder"!

Joaquim Pessoa