Gesto pedindo clemência
cansa.
Modernizem a desgraça.
Ser pedinte com eficiência
é alugar uma criança
e arremessá-la aos olhos de quem passa.
Quem fala de caridade
usa a velha ferramenta
e compromete o seu papel.
Para comover a cidade
preguiçosa e sonolenta
só a criança de aluguel.
Só a criança. De baixo custo.
É pitoresca ou inefável,
sabe chorar, sabe sorrir,
exprime o pavor, o medo, o susto,
é facilmente transportável
e faz o drama explodir.
Pagam os homens comprometidos
para não verem na sua frente
os meninos alugados,
que falsas mães, de olhos doridos,
silenciosas, mostram à gente,
como brinquedos mutilados.
Sidónio Muralha
(«Que Saudades do Mar» - 1971)