Tuesday, 18 November 2025
Saturday, 15 November 2025
Poema
A minha vida é o mar o abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
Sophia de Mello Breyner Andresen
Wednesday, 12 November 2025
DIES IRAE
Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.
Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.
Sunday, 9 November 2025
A Nêspera
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece
Mário-Henrique Leiria
Thursday, 6 November 2025
Abraça-me
Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.
Monday, 3 November 2025
A LIGA
Louva-a-deus martins agarrou o marido pela cintura,
enlaçou-o ternamente, acariciou-o e fez amor com ele
até atingir o orgasmo. Depois, como é normal entre os
inteirinho para que ela o devorasse, e assim sucedeu:
louva-a-deus martins foi retraçando o companheiro
com os seus finíssimos dentes, lenta e ritualmente, até
que dele nada restou senão uma ligeira azia que a ter-
rível amante combateu com duas ou três dentadinhas
numa folha de hortelã. Ah!..., suspirou ela, que destino
o meu!... Amar é a minha perdição!... E, rapidamente,
convocou as outras louva-a-deus para uma reunião
extraordinária, que veio a realizar-se no cimo de um
loureiro, de onde ninguém saiu sem que ficassem apro-
vados os estatutos da nova-liga-feminina-para-a- defe-
sa-dos-machos. Machistas!, gritaram no final, em coro,
as não aderentes, de temperamento mais ardente, ou
de maior apetite. E, a partir daí, naquele imenso cam-
po de girassóis, as louva-a-deus ficaram divididas (até
quando?) em duas espécies: as que comem os machos
e as que se deixam comer.
Saturday, 1 November 2025
Dia 340.
Bom dia também para ti, andorinha do tempo perdido, alma da minha mãe, canto de antero, soneto de luto pela verdade, coragem madura de não ser genial mas ser sublime.
Bom dia ave, bom dia pássaro, bom dia pequena pergunta, afável resposta, bom dia margens de uma fatigada ribeira que regressa quando já nada parecia respirar água, erva, o que mais a terra busca e devolve para ser bom e ser bom dia!
Bom dia primeiro sopro da manhã, imensa claridade que se anima nos ramos e se aninha no coração, sublime criação do autor das estrelas, que te chegas a mim tocando o chocalho dos meus limites, amada irmã, amada amiga, tu que tens um nome original para a eternidade!
Bom dia, então, pedaço de luz, estilhaçada alegria pelos caminhos do tempo, tu que és o contrário da quietude, vento simples das ideias e de tudo o que queima e arde à nossa volta, infinita dúvida que não sei já se é grande, se é pequena, mas é do tamanho de ti!
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