Thursday 30 December 2021

Revolução

Havia uma palavra fundamental.
Dissemo-la uma noite perto da mulher
que soluçava junto do cadáver
do filho morto a tiro.
Dissemo-la uma tarde quando os sicários
lançaram sobre o cais o afogado,
porque estava nas pálpebras
e no vazio da boca.
Repetimo-la quando o sangue dos nossos camaradas
corria sobre os ladrilhos de San Lorenzo
arrastando pequenos fragmentos encefálicos,
filamentos de vísceras fugazes
urina e rum e alentos rancorosos.
Fomo-la repetindo nas enfermarias,
nos prostíbulos com ébrios e marujos,
nos cinemas e nas fábricas.
Dissemo-la um dia entre estampidos e clarins
à hora de uma das vitórias,
gritámo-la à porta dos escritórios,
das embaixadas e das escolas
até que vimos uma coluna de gente
erguida pela palavra persistente.
À nossa volta reinava o silêncio
que cerceia todo o som,
o silêncio sem parques,
sem escolas, sem fábricas,
o silêncio sem rotativas,
sem carabinas, sem crianças,
o silêncio sem recordações
sem quandos nem mais tardes,
em que começámos a repetir
a esclarecer a esgrimir a acariciar
essa ardente palavra.

Aldo Menéndez