Sunday 9 August 2020

DIA AZIAGO


1 
Sexta-feira 13

No Black Belt um negro mais
foi linchado.

Sexta-feira 13

O canto da morte cresce
nos olhos rasgados dos coreanos.

Sexta-feira 13

A psitacose ganhou a política
e Paul Reynaud formará governo.

Sexta-feira 13

Shang é o amarelo poeta
pelos Yankees encadernado.

Sexta-feira 13

As paredes e os muros sem hera
vestem-se de brincar às eleições.

Sexta-feira 13
Tudo é silêncio além cortina:
grave silêncio de quem
planeia cinco anos de felicidade.

Sexta-feira 13

Seu Getúlio era fascista
quaisquer dia, Senhor do Bonfim
té parece comunista.

Sexta-feira 13

Vem ou não vem
o empréstimo americano?
Sexta-feira 13
em toda a Terra
Sexta-feira 13
depois de Cristo.

2 
Vêm dias e noites de Sexta-feira 13 carregados de infortúnios
e de revoluções siderais de tempos antigos
de magias e ritos que os rios dos séculos não escoaram
para mares de compreensão e antes
levaram a lagoas com cabeleiras de limos da estagnação mental;
vieram um após outro 54 cavalos que foram como 54
brasidos de lama e fogo
de vulcões convulsos que escarraram sobre nós as vergonhas
e os opróbrios de 19 séculos passados
de 19 estradas obtusas de 19 becos de soluções que desafiaram
as agulhas magnéticas
de 19 milhões de milhões de lutas mesquinhas e pessoais;
19 caminhos de piteiras que levaram ao amanhecer cadavérico
de Sexta-feira 13.
Que o homem se fez a si próprio - fez-se muito mal.
Que o homem inventou as pirâmides - para nada serviram.
Que de Nabucodonozor uma biblioteca houve - ninguém a leu.
Que os romanos deram ao mundo a linguagem da justiça - também deram as galé.
Que os árabes trouxeram a água em odres de sangue - o corpo da terra finou-se de secura.
Que o homem desafiou os mares e o céu dos pássaros - e ninguém ganhou asas:
Ninguém, ninguém ganhou asas
em Sexta-feira 13.

3 
(Há um riso de manicómio racionado
poluindo as fontes frescas e os vales
embaciando os olhos vivos da noite
murchando o tenro das folhas verdes
e as vergonhas cerradinhas das virgens...
em Sexta-feira 13.)

Só a criança que nasceu sem pai
abriu a garganta ao mundo para chorar
- não o choro fininho de quem
agradece à vida a luz dos olhos -.

Só os homens das estepes ressequidas ou geladas
e os que nas selvas vivem como macacos
caçaram, beberam, fornicaram
na doce ilusão dos que amam
entregues ao Sol, à água e ao fogo

- Cantaram
inocentes de Sexta-feira 13!

Francisco José Tenreiro
(«Coração em África»)