Tuesday 24 March 2020

Coro dos cornudos

Coro de escárnio e lamentação dos cornudos em volta de S.Pedro. Coplas dedicadas às fogosas e vampirescas mulheres da Beira, de quem já Abel Botelho disse o que disse.

Monólogo do 1.º cornudo

Acordei num triste dia
Com uns cornos bem bonitos.
E perguntei à Maria
Por que me pôs os palitos.

Jurou por alma da mãe
Com mil tretas de mulher
Que era mentira. Também
Inda me custava a crer...

Fiquei de olho espevitado
Que o calado é o melhor
E para não re-ser enganado,
Redobrei gozos de amor.

Tais canseiras dei ao físico,
Tal ardor pus nos abraços
Que caí morto de tísico
Com o sexo em pedaços!

Esperava por isto a magana?
Já previa o que se deu?...
Do além vi-a na cama
Com um tipo pior que eu!

Vi-o dar ao rabo a valer
Fornicando a preceito...
Sabia daquele mister
Que puxa muito do peito.

Foi a hora de me eu rir
Que a vingança tem seus quês:
«O mais certo é práqui vir,
Inda antes que passe um mês».

Arranjei-lhe um bom lugar
Na pensão de Mestre Pedro
(Onde todos vão parar
Embora com muito medo...)

Passava duma semana
O meu dito estava escrito
Vítima daquela magana
Pobre tísico, tadito!

Dueto dos 2 cornudos

Agora já somos dois
A espreitar de cá de cima
Calados como dois bois
Vendo o que faz a ladina

Meteu na cama mais gente
Um, dois, três... logo a seguir!
Não há piça que a contente
É tudo que tiver de vir!

S. Pedro, indignado, pragueja

- É de mais!... Arre, diabo!
- Berra S. Pedro, sandeu.
- E mortos por dar ao rabo
Lá vêm eles pró Céu!

Coro, pianíssimo, lirismo nas vozes

Que morre como um anjinho
Quem morre por muito amar!

Coro, agora narrativo ou explicativo

Já formamos um ranchinho
De cá de cima, a espreitar.

Àparte do autor das coplas: «Coitadinhos!»

Passam meses, passa tempo
E a bela não se consola...
Já semos um regimento
Como esses que vão prá Ingola!

Fazemos apostas lindas
Sempre que vem cara nova.
Cálculos, medidas infindas
Como ela terá a cova.

Há quem diga que por si
Já não lhe topou o fundo...
Outros juram que era assim
Do tamanho... deste Mundo!

- Parecia uma piscina!
- Diz um do lado, espantado.
- Nunca vi uma menina
Num estado tão desgraçado!

Àparte do autor, antigo militante das esquerdas (baixas)

(Um estado tão desgraçado?!...
Pareceu-me ouvir o Povo
Chorando seu triste fado
nas garras do Estado Novo!)

O último que chegou cá
Morreu que nem um patego:
Afogado, ieramá,
Nos abismos daquele pego.

O coro dos cornudos, acompanhado por S. Pedro em surdina,
entoa a moralidade, após ter limpado as últimas lagrimetas
e suspirando como só os cornudos sabem

Mulher não queiras sabida
Nem com vício desusado,
Que podes perder a vida
Na estafa de dar ao rabo.

Escolhe donzela discreta
Com os três no seu lugar.
Examina-lhe bem a greta,
Não te vá ela enganar...

E depois de veres o bicho
E as maneiras que tem
A funcionar a capricho,
Já sabes se te convém.

Mulher calma, é estimá-la
Como a santa no altar.
Cabra douda, é rifá-la...
- Que não venhas cá parar.

Este conselho te dão,
E não te levam dinheiro...
Os cornudos que aqui estão
Com S. Pedro hospitaleiro.

Invejosos quase todos
Dos cornos que o mundo guarda

Fazem mais um bocado de lamentação.
Nota do autor: quase, porque entretanto
alguns brincavam uns com os outros. Rabolices!

Mas se fornicas a rodos
Tua vinda aqui não tarda!

Recomeça a moralidade, estilo
Estão verdes, não prestam.
Alguns bêbados, cornudos
Despeitados ou amargurados.
Vozes pastosas.
Deve ler-se: viiinho... vélhiiinho...

Melhor que a mulher é o vinho
Que faz esquecer a mulher...
Que faz dum amor já velhinho
Ressurgir novo prazer.

Finale, muito católico

Assim termina o lamento
Pois recordar é sofrer.
Ama e fode. É bom sustento!
E por nós reza um pater.

Luiz Pacheco
Num dia em que se achou
Mais pachorrento.