Thursday 1 June 2017

LIBERDADE


Disseram-nos a tiros: cruz, mais nada.
Na cruz estamos. Apenas. Censurados.
Uma nova prisão. Ponto na boca.

Se manténs a conduta conveniente,
poderás dizer palavras permitidas:
Inverno, luz, hispanidade, chapéu.
(Se a língua te entristece de vergonha
arranja um cartaz que diga «MUDO»,
estende a mão e juntas alguns cobres)

Se calças os sapatos pela norma
podes também andar no outro passeio
à procura do sol ou de um tecto que abrigue.

Pagando os teus impostos pontualmente
podes ir à oficina ou ao escritório,
para queimar as pestanas ou as unhas,
partir o peito ou alcançar a glória.

Também terás honestas diversões.
O passar de um enterro, um filme
dos que são devidamente autorizados,
futebol do melhor, um copo de cerveja,
instrutivos programas pela rádio
e missa à tarde todos os domingos.

Mas não penses «liberdade», não pronuncies,
não escrevas «liberdade», não consintas
que ao branco dos olhos ela surja,
ou que o odor se exale pelas roupas
ou apareça no risco do cabelo.

E sobretudo, amigo, ao deitar-te,
não escondas «liberdade» na almofada
para tentar sonhar com melhores dias.
Não aconteça seres sonâmbulo e uma noite,
com ela atravessada no teu corpo,
gritares o seu anúncio pelas ruas
descerrando as portas e as janelas,
matando os guardas-nocturnos e os gatos,
quebrando os lampiões, os chafarizes
e o sono dos justos - porque então
ponto final, irmão, e Deus te ajude.

Maria Figuera Aymerich