Tuesday 27 June 2017

PREGÃO

Dum gesto alcançámos a terra.

Os montes, os mares, as estrelas, as nuvens, as almas, os deuses e as
sombras.
- o cortejo multissecular das sombras.

Antes
os braços eram curtos e terminavam por duas mãos pequenas.
Hoje
não há padrão que os meça,
prolongados nos montes e na viva complicação das máquinas,
nas chaminés voltadas para o céu.
Antes
as bocas eram breves para o beijo da casa.
Hoje
dilataram-se infinitamente no sorriso sublime e sem limites da
universalidade.

Todos os músculos estalaram.
Todos os olhos gritaram.
Todas as bocas gritaram.
Todos os pulmões se abriram ao olfacto sadio da terra húmida.
Terra.
Terra da partida e do regresso.
Terra!

Serão baixos todos os andaimes de biliões de andares,
fracas todas as asas,
para a nossa paixão da estratosfera:
para o caminho da terra que nos fará eternos.
Fraca nomenclatura de todos os tratados
para o nosso mundo de amor.

Os chicotes quebraram-se, vencidos,
vergados sobre a terra como nós até hoje.

Uma vida nova começa neste instante.
E agora, que dum gesto alcançámos a terra, nós seremos enfim o nosso próprio poema.

Mário Dionísio