Thursday 1 October 2015

Poema de um casamento «branco» no Forte de Peniche em 4/1/59


Como está pronta a terra para a semente
assim estavas debaixo do meu braço:
os nossos corações estavam tão juntos
que não ficava entre eles o menor espaço.

Na botoeira do meu fato escuro
pregaste um cravo branco.
Não sabia que no teu peito
nasciam cravos de uma tal brancura.

Um funcionário cansado
leu em voz monótona os papéis.
Dissemos: - Sim!-
E cumpriram-se as leis.

O sol deitava bagos de arroz amarelo
ondas pequenas vinham rebentar
na muralha
como garotos endiabrados
a pedir rebuçados.

As gaivotas pelo céu piavam.
Voltei para a cela só olhando o mar:
a tua falta era um cravo branco cortado
no meu peito a sangrar.

António Borges Coelho
in No mar oceano

(Fotografia do casamento de Isaura e António Borges Coelho realizado na Cadeia do Forte de Peniche em 1959 - Na exposição "Por teu livre Pensamento" - “Havia uma mesa, ela estava de um lado e eu do outro, separados. Estava o meu sogro, estavam os meus padrinhos de um lado - o O’Neill e a Maria Amélia Padez – e estavam os meus cunhados do outro, que eram os padrinhos dela. O meu sogro começou a passear na sala e a dizer que não havia direito e, por fim, passaram-na para o meu lado. Lá estivemos até ao fim da refeição que o meu sogro tinha levado.” (António Borges Coelho, in: Jornal Público, 16 de dezembro, 2018))