Saturday 6 September 2014

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para falarmos do meio de obter o poema,
a retórica não serve. trata-se de uma coisa simples, que não
precisa de requintes nem de fórmulas. apanha-se
uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores que crescem
no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas
ou nos mercados. é uma flor de sílabas, em que as
pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. põe-se
no jarro da estrofe, e deixa-se estar. para que não morra,
basta um pedaço de primavera na água, que se vai
buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,
ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco
da manhã enche o quarto de azul. então,
a flor confunde-se com o poema, mas ainda não é
o poema. para que ele nasça, a flor precisa
de encontrar cores mais naturais do que essas
que a natureza lhe deu. podem ser as cores do teu
rosto – a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,
ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores
da vida se confundem, com o brilho da vida. depois,
deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem
para as folhas, como a seiva que corre pelos
veios invisíveis da alma. posso, então, colher a flor,
e o que tenho na mão é este poema que
me deste.

Nuno Júdice