Thursday 15 May 2014

Se bastasse dar um grito


Se bastasse dar um grito para que soubessem!
Se bastasse chorar alto, escrever cartas,
se bastasse andar nu para que notassem!
Tu, Nai, não compreenderás. Eles entretêm-se
a beber cerveja, a falar de mulheres,
a crer em Deus. E não adivinham
que as mãos as tenho negras
de tanto construir castelos de sangue.
Parece que querem dizer que não é tão vero
como eu penso. Oh, Nai, não compreendas,
não compreendas nunca, nem perdoes,
escreve-lho na fronte com arame,
grita-o da varanda, até que morram
de tanto o saberem, Nai, e o mundo rebentar.
Ai, se bastasse morrer para que acreditassem,
havia de amar-te com o sangue dos outros.

Miguel Ângel Riera