Sunday, 15 June 2025

Não me deixes só


Ouve-me, falo-te esta noite

e parece-me falar ao mundo.

 

Quero dizer-te que não me deixes só

nesta estrada longa sem fim

e tem os dias curtos.

 

Quero dizer-te

que quatro olhos veem melhor,

que milhões de olhos vendo mais longe,

e que o peso dividido sobre os ombros torna-se leve.

 

Quero dizer-te

que se te apoiares em mim e eu me apoiar a ti

não podemos cair

mesmo que a tempestade nos siga em rajadas.

 

Os pássaros voam em bandos, cantam em bandos,

um canto só é lamento e morre no ar.      

 

Não abaixes os olhos, quero-te amigo á mesa;

e não é verdade, que sejamos diferentes

estendo-te os braços e chamo-te de irmão...

 

Irmão eu sou e companheiro

dobrado para arrancar os espinhos que ensanguentam os pés:

irmão e companheiro levantados para rasgar as nuvens

e apagar o relâmpago:

irmão e companheiro

 

Um não conta,

nascemos para cantar juntos

e não deixar um legado de lágrimas repito de lágrimas.

 

morres e ficas nadando

no leito do rio que desagua no mar,

na cama que conta a história de todos os tempos

 

E serão dias como estes: com nascer e sol

os galos que cantam, as árvores que florescem,

homens na terra e biliões de estrelas no céu.

 

Dias assim: com a luz nas ruas,

as mesas postas, as crianças brincando,

e o amor nas camas com boca de cordeiro e de lobo.

 

Dias assim: contigo e comigo

com outros nomes para consultar livros,

experimentar, julgar os vivos e os mortos

se eles merecem... se nós merecemos o perdão...

 

Perdão pelas guerras em cadeia, pelos massacres

para Hiroxima queimada,

para os poetas de tiro.

 

Perdão para as câmaras de gás

pela injustiça codificada,

para os infames iluminados no paraíso da terra,

para Cristo na cruz e o carrasco no altar.

 

Estou-me confessando

Quem me absolve?

Quem te absolve?

 

História não,

se pudermos fazer a paz da guerra,

chorando alegria,

liberdade escravidão,

odeio amor

e não o fazemos.

 

Na história, não

Se pudermos derrubar as paredes de pedra óssea

que levantamos todos os dias com as mãos sujas,

tu e eu, com as mãos sujas, e não o fazemos.


Ignazio Buttitta