Monday 15 June 2020

ÁFRICA


África do Congo,
África distante do Congo
distante...
África apertada, cingida,
no périplo do meu abraço:
nó dos meus pulsos
fechando o teu corpo negro
aberto para a minha ânsia.
Descoberta do acaso
das minhas navegações:
África perdida nos «cabarets»
com o teu riso branco de espanto
das civilizações.

Ó minha negra,
escrava humilde e fiel,
encontro do meu destino pirata...

Floresta nunca pisada;
virgindade das florestas virgens rasgada;
rosa desfolhada
como a tua boca no riso branco,
como o teu destino branco
na lotaria da vida.

Cadeia dos meus sentidos,
febre da minha aventura...

Roubei os diamantes do teu seio,
o oiro das tuas pulseiras,
e negociei tudo nas bancas!
Vendi as tuas terras
e os teus rebanhos,
derrubei as tuas florestas
e arrasei as tuas aldeias,
despovoei os teus reinos,
trocei as tuas crenças...

Veneno europeu...

Fiz dos teus filhos escravos
e, senhor do meu destino,
amarrei-te à minha sorte.

Veneno europeu...

Teu corpo de mapas,
neste leito do mundo,
quantas vezes o fiz meu...

Ris com esse riso de cartaz:
branco,
límpido,
fixo.
Ris.

O jazz toca um desses blues
- e o negro do cornetim
rasga o silêncio
com o seu grito de faca.

O eco fica bailando
no teu corpo
como o ramo das palmeiras...
das palmeiras lá do Congo.
O som cavo das marimbas
bate o compasso no fundo da música...

África civilizada,
vestida à moda das nações,
fazendo ouvir nos boulevards
a tua música de recorte primitivo.

Outros batuques distantes,
ouros batuques mais distantes
que me vêm no sangue
- o bater das marimbas foi que o acordou.

A virgem loira desfalece
nos barços de quem dançou.
A saxofone, do espanto
dos teus olhos, se entornou...

E o teu riso de cartaz,
branco
como marfim de amuletos,
brilha nos acordes do piano.

Capa de magazine:
A luz correu no teu corpo
que brilhou como uma lança...
Já não há lanças em África...
dança,
dança...
Já não há lanças em África,
já não há guerra,
já não há guerra...
- batuque de lanças quebradas,
batuques do Congo já não são de guerra!
Batuques de lanças quebradas:
batuques de guerra... não!

Nos cofres fortes do Cabo
o teu suor corre em libras...
- Yes, whisky and soda.

Nos cofres fortes do Cabo
o teu suor corre em libras:
África da colonização!

Joaquim Namorado