Saturday 15 December 2018

O menino de sua mãe




No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
de balas trespassado
- Duas, de lado a lado -
Jaz morto e arrefece

Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
"O menino de sua mãe"

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve
Dera-lhe a mão. Está inteira
É boa a cigarreira.
Ele é que já não serve

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço...deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o império tece)
Jaz morto, e apodrece,
O menino de sua mãe.

Fernando Pessoa