Monday 30 July 2018

Dia 63


Sobrou a minha culpa. Agora resta ouvir o que tenho para me dizer.  Estou ofendido comigo mesmo.  Noite e dia, a qualquer hora, procuro libertar-me desse arbusto escuro que tenho enraízado no coração e, ao longo do cansaço, praticar a lição mais humilde, como a do camponês que sabe que se estafa por uma colheita pobre.  Por enquanto, a esperança é como um cenário pintado, frágil, perdido no tempo.
Mais luz, mais luz, em vez de ar. Preciso apenas de luz para viver, para respirar-te.  Esvoaçam na minha lembrança os teus dedos iluminados e, sobre a minha pele, pequenos pássaros brancos afastam-se a caminho do sul.
Há veredas no vento que ainda se lembram de nós, permanecem perfumadas com os nossos corpos e surpreendidas com os nossos beijos. Mas sinto-me agora prisioneiro, com o peso da culpa estatelando-me de costas contra a terra, fixando a noite e o céu, procurando os contornos do teu rosto, que não consigo enxergar.
Já não te encontro em mim, nem longe de mim. Não é mais que um pequeno consolo, constatar que as estrelas têm um sorriso parecido com o teu.

Joaquim Pessoa