Sunday 6 May 2018

A velha juventude


Não caio, mesmo que as forças me faltem,
cruzo-me com a tarde e com o assombro do mar
onde o meu coração aguardará a noite como as aves
nos ninhos construídos no interior da falésia.


Será uma noite surpreendente, uma noite sem ti,
porque será mais noite ainda, sem aquele brilho azul
que só as nossas noites tinham. E eu sinto-me vazio
como uma criança que fugiu de casa e não sabe voltar.

O meu olhar é uma pedra acesa na tua recordação,
a minha carne sente a falta da tua, e nas minhas mãos
o sol deixa os últimos raios de âmbar, as tímidas marcas
que os meus dentes costumavam gravar na tua pele.

Quando a noite vier fechar as suas portas,
lembrar-me-ei do interior da nossa casa, quando
esperava por ti, doente de esperar, mas fascinado
como só poderia sentir-se um amante faminto.

Caminho e não caio, mesmo que me faltem
as forças que me trouxeram para longe de ti. Sou
esse velho amante cheio de juventude, a quem a vida
não quis renovar mais que os próprios versos.

Joaquim Pessoa