Wednesday 18 February 2015

Peço silêncio


Agora deixem-me tranquilo.
Agora acostumem-se sem mim.

Eu vou fechar os olhos

E só quero cinco coisas,
Cinco raízes preferidas.

Uma é o amor sem fim.

A segunda é ver o Outono.
Não posso ser sem que as folhas
Voem e voltem à terra.

A terceira é o grave Inverno,
A chuva que amei, a carícia
Do fogo no frio silvestre.

Em quarto lugar o Verão
Redondo como uma melancia.

A quinta coisa são teus olhos,
Matilde minha, bem amada,
Não quero dormir sem teus olhos,
Não quero ser sem que me olhes:
Eu troco a Primavera
Pra que tu me fiques olhando.

Amigos, isso é tudo o que quero.
É quase nada e quase tudo.

Agora, se querem, que se vão.

Vivi tanto que um dia
Terão de esquecer-me com força,
Apagando-me do quadro negro:
Meu coração foi interminável.

Mas porque peço silêncio
Não creiam que vou morrer:
Pois é exactamente o contrário:
Acontece que vou viver.

Acontece que sou e que sigo.

Não será, pois, senão que dentro
De mim crescerão cereais,
Primeiro os grãos que rompem
A terra para ver a luz,
Porém a mãe terra é escura:
E dentro de mim sou escuro:
Sou como um poço em cujas águas
A noite deixa suas estrelas
E segue só pelo campo.

Trata-se de que tanto vivi
Que quero viver outro tanto.

Nunca me senti tão sonoro,
Nunca tive tantos beijos.

Agora, como sempre, é cedo.
Voa a luz com suas abelhas.

Deixem-me só com o dia.
Peço permissão para nascer.


Pablo Neruda