Wednesday 6 June 2012

o mito segundo narciso


quando ela morreu, o mundo, infelizmente, não cessou. e os dias passavam 
agora penosos, eras a cada lua. na floresta onde caçavam, vagueava 
 inconscientemente, entorpecido. havia um vazio nos seus olhos que só viam 
saída nas lágrimas cheias que pendiam, permanentes.

quando ela morreu, o mundo, infelizmente, continuou. e ele, perdia a 
continuidade do seu ser, um pedaço de alma, como um pedaço da vida. 
 narciso arrastava os pés por entre as árvores. eco seguia-o sentindo a dor.
nas sombras oblíquas da floresta, por onde haviam passeado as musas nas 
horas matinais que se iam e por onde hades passearia nos instantes que se 
seguiam em busca de perséfone para se saciar, jazia um lago que reflectia o
céu por entre folhagens. quando caiu, debruçou-se, infinitamente triste sobre 
as águas espelhadas e serenas.
ali, mesmo ali, jazia a imagem gémea dela. não mais desviou seus olhos da 
água que chorava com ele. eco, bela, olhou seu corpo moribundo e chorou. 
no lugar onde narciso adorou a sua irmã, deixou uma flor que ali cresceu.
 
Miguel Tiago