Friday 27 August 2010

ÁLVARO

 
Hoje apeteceu-me falar do Álvaro. 
Porquê?: sei lá, razões para falarmos dele e sobre ele todos os dias, há muitas...
Tantas quantas as que existem para os seus (e nossos) inimigos dizerem dele e sobre ele o que é hábito dizerem...

Porquê, então, me apeteceu, hoje, falar do Álvaro?
Talvez porque estamos em Maio, mês que todos os anos começa por ser Dia do Trabalhador e este ano, antes de partir, vai encher a Avenida da Liberdade de trabalhadores: milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares de trabalhadores, vindos de todo o País, em luta por direitos que o governo do grande capital lhes quer roubar.

Talvez, também, porque nestes dias de Maio de 2010 passam 60 anos sobre aqueles dias de Maio de 1950, em que o Álvaro, frente aos juízes fascistas, passou de acusado a acusador...

Começou assim o julgamento:

«Juiz - Sabe de que é acusado? Tem alguma coisa a dizer em sua defesa?

AC - Sim. Quero começar por referir neste tribunal que, desde a minha prisão em 25 de Março de 1949, há, portanto, mais de um ano, me encontro ilegalmente submetido a um regime de rigoroso isolamento.

Juiz - Sabe certamente que há peças no processo relativas a isto.

AC - Perfeitamente. Não há qualquer exagero em dizer que esse regime é uma nova forma de tortura. Uns resistem a ela, outros, como esse grande patriota que foi Militão Ribeiro, perdem nela a vida, conforme tomei conhecimento já depois de me encontrar neste tribunal.
Da primeira vez que fui preso, como me negasse a prestar declarações, algemaram-me, meteram-me no meio de uma roda de agentes e espancaram-me a murro, pontapé, cavalo-marinho e com umas grossas tábuas com uns cabos apropriados. Depois de me terem assim espancado longo tempo, deixaram-me cair, imobilizaram-me no solo, descalçaram-me sapatos e meias e deram-me violentas pancadas nas plantas dos pés. Quando cansados, levantaram-me, obrigando-me a marchar sobre os pés feridos e inchados, ao mesmo tempo que voltavam a espancar-me pelo primitivo processo. Isto repetiu-se numerosas vezes, durante largo tempo, até que perdi os sentidos, estando 5 dias sem praticamente dar acordo de mim. Desta vez não fui sujeito aos mesmos processos. Mas estou em condições de comparar, avaliar e aqui dizer que um ano de isolamento não é menos duro que os referidos tratos. Não há, pois, qualquer exagero ao dizer que o referido regime de isolamento é uma nova forma de tortura»...

E terminou assim:

«Vamos ser julgados e certamente condenados. Para nossa alegria basta saber que o nosso povo pensa que se alguém deve ser julgado e condenado por agir contra os interesses do povo e do país, por querer arrastar Portugal a uma guerra criminosa, por utilizar meios incosntitucionais e ilegais, por empregar o terrorismo, esse alguém não somos nós, comunistas. O nosso povo pensa que, se alguém deve ser julgado por tais crimes, então que se sentem os fascistas no banco dos réus, então que se sentem no banco dos réus os actuais governantes da nação e o seu chefe Salazar».


Depois do julgamento de Maio de 1950, o Álvaro voltou para a Penitenciária de Lisboa, onde foi mantido na «nova forma de tortura» que era o «regime de isolamento» até ser transferido para a Cadeia do Forte de Peniche, em 27 de Julho de 1956 - donde viria a evadir-se, integrando a histórica fuga colectiva de 3 de Janeiro de 1960.


Hoje apeteceu-me falar do Álvaro.
Porquê?: sei lá...