Wednesday, 30 July 2025

Caminito del indio

 
Caminito del indio,
sendero coya
sembrado de piedras.
Caminito del indio
que junta el valle
con las estrellas.
Caminito que anduvo
de sur a norte
mi raza vieja
antes que en la montaña
la Pachamama
se ensombreciera.
Cantando en el cerro
llorando en el río,
se agranda en la noche
la pena del indio.
El sol y la luna
y este canto mío
besaron sus piedras,
camino del indio.
En la noche serrana
llora la quena
su honda nostalgia.
Y el camino sabe
cuál es la coya
que el indio llama.
Se levanta en la noche
la voz doliente
de la baguala.
Y el camino lamenta
ser el culpable
de la distancia.
Atahualpa Yupanki

Sunday, 27 July 2025

O poeta enamorado

 
Estou mais perto de ti porque te amo
Os meus beijos nascem já da tua boca .
Não poderei escrever teu nome com palavras
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.
Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo te como se nunca tivesse amado
Porque tu estás em mim mas ausente de mim.
Nesta noite sei apenas dos teus gestos
E procuro o teu corpo para alem dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.
Sim,tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim
E eu estou perto de ti porque te amo.
Joaquim Pessoa

Thursday, 24 July 2025

É preciso avisar toda a gente

 
É preciso avisar toda a gente
Dar notícia, informar, prevenir
Que por cada flor estrangulada
milhões de sementes a florir.
É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
Engrossando a verdade corrente
duma força que nada a detenha.
É preciso avisar toda a gente
Que há fogo no meio da floresta
E que os mortos apontam em frente
O caminho da esperança que resta.
É preciso avisar toda a gente
Transmitindo este morse de dores
É preciso, imperioso e urgente
Mais flores, mais flores, mais flores.
João Apolinário

Monday, 21 July 2025

Dia 196

 
O que leva um homem a mudar?
Talvez os erros, talvez a paixão, talvez a sombra do cansaço. Pego na tua mão e beijo-a. Pego na tua mão e danço. Pego na tua mão e apresso o movimento da terra à volta de nós dois. Pegar na tua mão é viver de novo a vida de uma forma inteira. Hoje, só o meu coração sabe dançar. A tua outra mão segura-o, partilha-o, é testemunha desta forma de alegria.
Escuta esta música que a noite sorri. Sente como, através dela, se excitam já os tímbalos, se apaixonam as cordas, como exulta o oboé. É uma música magnífica que se alimenta da luz, incandescendo as emoções. Pensamentos, desejos, nervos, tudo gritando por dentro. Não sinto o teu corpo, não sinto o meu corpo, tudo é transparência, tudo é fantasia, e assim são as palavras.
Movo-me contigo respirando o segredo noturno dos desertos. Não tenho ideias, nem casa, nem sei adormecer. Inspiro-te. Respiro-te. O cansaço é doce, estupendo, para sempre. À nossa volta tudo arde no fogo verde desta primavera, e a inquietação é um fruto excitante por colher. Não pares. Continua a dançar comigo. Como se fizéssemos amor.

Joaquim Pessoa

Friday, 18 July 2025

*

 
As cotovias mandaram chamar a Palavra
e disseram-lhe: Gostaríamos de voar contigo!
Por quê?, disse a Palavra, se podeis livremente voar
no azul do céu, sobre o mar, e também sobre bosques e searas,
poisar até no cume frio das altíssimas montanhas.
Pois sim, concordou uma delas, mas como faremos
para voar, como tu, até ao coração do homem?
E, a todas, a palavra respondeu: Não, amigas, não sou eu
que voo até ele! É o seu coração que sempre me procura
para oferecer-me a capacidade e a alegria de voar
para lá do azul do céu e para lá da imensidão do mar,
muito para além dos bosques, das searas,
e mais alto, ainda mais alto que o cume frio
das montanhas. Sem nunca chegar ao fim
de nada, mas ao início
de tudo.

Joaquim Pessoa

Tuesday, 15 July 2025

*-*

 

Porque escondes a noite no teu ventre?
Nesse país de sombra onde se calam as palavras.
Aí, no escuro lago onde estremece a flor da amendoeira
E onde vão morrer todos os cisnes.
Eu desvendo a tua dor, o teu mistério
De caminhares assim calada e triste,
Quando viajo em ti com as mãos nuas e o coração louco
No mais fundo de ti, onde só tu existes.
Oh, eu percorro as tuas coxas devagar
Dobrando-as lentamente contra o peito
E penetro em delírio a tua noite
Esporeando éguas no teu sangue.
De onde me chegam estas palavras?

Joaquim Pessoa

Saturday, 12 July 2025

Acordar

 
Um pássaro canta de fora da janela;
o sol da manhã despeja a sua luz
sobre o campo. Ela ocupa-se em nada,
como a libélula que procura
os filamentos de brilho na água
do charco. E a vida declina
na oblíqua sonolência dos seus olhos.
Nuno Júdice

Wednesday, 9 July 2025

*

 
O olho é uma espécie de globo,
é um pequeno planeta
com pinturas do lado de fora.
Muitas pinturas:
azuis, verdes, amarelas.
É um globobrilhante:
parece cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas: algas, sargaços,
miniaturas marinhas, areias, rochas,
naufrágios e peixes de ouro.
Mas por dentro há outras pinturas,
que não se vêem:
umas são imagens do mundo,
outras são inventadas.
O olho é um teatro por dentro.
E às vezes, sejam actores, sejam cenas,
e às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no olho, lágrimas.

Cecília Meireles

Sunday, 6 July 2025

Livro

 
Porque de tudo o que havia
ressaltavas tu, inteira, intensa, imersa no fogo,
terrivelmente límpida como uma ode ao trigo,
à beleza,
às rosas de saliva que cresciam
nos assombrados e húmidos canteiros
da minha boca,
eu te entendo
como se entende o sangue e a loucura,
como se entende o fogo e o rio,
como se entende a música e o sonho,
isto é,
gostava de te entender como coisa absoluta,
um barco, uma árvore, um farrapo de neve,
mas tu és um livro e eu um leitor de ti
que te folheia e saboreia página
a página,
cujo olhar permanece em sacrifício,
esfomeado e livre, sempre
esfomeado e livre,
sendo,
ou muito perto
de ser.
Joaquim Pessoa

Thursday, 3 July 2025

***

 
Quando estiveres velha e grisalha e cheia de sono,
E a cabecear junto ao lume, vai buscar este livro,
E lê devagar, e sonha com o olhar brando
Que outrora foi o teu, e com as suas sombras fundas;
Quantos amaram os teus instantes de ditoso encanto,
E amaram a tua beleza com um amor falso ou sincero,
Mas só um amou a alma peregrina que trazes em ti,
E amou as mágoas do teu rosto em transformação;
E, debruçando-te junto da grelha resplandecente,
Murmura, com certa tristeza, que o Amor fugiu
E foi caminhando pelas montanhas até ao alto
E escondeu a face entre uma vastidão de estrelas.
W. B. Yeats
(tradução de Vasco Gato)

Tuesday, 1 July 2025

Canção Breve

Tudo me prende à terra onde me dei:
rio subitamente adolescente,
a luz tropeçando nas esquinas,
as areias onde ardi impaciente.
Tudo me prende do mesmo triste amor
que há em saber que a vida pouco dura,
e nela ponho a esperança e o calor
de uns dedos com restos de ternura.
Dizem que há outros céus e outras luas
e outros olhos densos de alegria,
mas eu sou destas casas, destas ruas,
deste amor a escorrer melancolia.

Eugénio de Andrade