Friday 30 August 2024

*

(...)

Aproveita o dia.
Não deixes que termine sem teres crescido um pouco,
sem teres sido feliz, sem teres alimentado teus sonhos.
Não te deixes vencer pelo desalento.
Não deixes que alguém te negue o direito de te expressares,
que é quase um dever.
Não abandones a ânsia de fazer da tua vida algo extraordinário.
Não deixes de acreditar que as palavras e a poesia podem mudar o mundo.
Aconteça o que acontecer, nossa essência continuará intacta.
Somos seres cheios de paixão.
A vida é deserto e oásis.
Derruba-nos, ensina-nos, converte-nos em protagonistas de nossa própria história.
Ainda que o vento sopre contra, a poderosa obra continua:
tu podes tocar uma estrofe.
Não deixes nunca de sonhar, porque os sonhos tornam o homem livre (...)

Walt Whitman
(1819 – 1892)

Tuesday 27 August 2024

guerra de classes

 
vibram-me as cordas vocais e os pulmões,
com um clamor, como um tambor,
de alegria, de dor,
de raiva, despudor,
vibram-me as sinapses,
os gritos, os punhos cerrados,
e os olhos raiados,
na luta, até à vitória,
vibrem átomos, morram quimeras,
na luta, até ao fim de todas as guerras,
feita de muitas batalhas em todas as terras.

Miguel Tiago

Saturday 24 August 2024

A mão

A mão
que no fundo da noite chama,
num sopro mais ligeiro
que o desejo
ou o cheiro
do feno quente ainda
da última gota de água,
a mão
esquece a árvore onde fez ninho
e vai pousar
entre o frio dos joelhos
devagar.
Eugénio de Andrade

Wednesday 21 August 2024

As amoras


O meu país sabe às amoras bravas no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Eugénio de Andrade

Sunday 18 August 2024

Não iremos embora

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas
Para arrancar
A comida de nossos filhos
De vossas presas azuis

Aqui 
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores
Declamando poemas
Somos os guardiões da sombra
Das laranjeiras e das oliveiras
Semeamos as ideias como o fermento na massa
Nossos nervos são de gelo
Mas nossos corações vomitam fogo
Quando tivermos sede
Espremeremos as pedras
E comeremos terra
Quando estivermos famintos
Mas não iremos embora
E não seremos avarentos com nosso sangue

Aqui
Temos um passado
E um presente

Aqui
Está nosso futuro

Tawfiq Zayyad
(Palestiniano de Nazaré 1929-1994)

Thursday 15 August 2024

- fim -


tal como a brasa e o lume se extinguem,
também as letras, por mais ígneas, se apagam um dia.
assim, como lava, se petrificam versos
deixados à erosão, do mar, do vento e do vasto tempo.

Miguel Tiago

Monday 12 August 2024

- sem título -

se alguma vez escrever um poema
terá o cheiro dos dias de chuva em agosto.

Miguel Tiago

Tuesday 6 August 2024

versus

anoiteço quando o sol nasce e
vejo-me ao espelho em vidros foscos.

Miguel Tiago

Saturday 3 August 2024

entra

a chave da minha casa é a poesia
e pode entrar quem a trouxer consigo.

Miguel Tiago

Thursday 1 August 2024

subvivo

quem não vive não morre.

Miguel Tiago