Sunday 30 June 2024

protege-me

dentro destas muralhas em que me prendo
o mundo é escuro e a humidade penetra os ossos,
como aquele frio que faz doer o corpo aos velhotes.

Miguel Tiago

Thursday 27 June 2024

sem título

tudo o que é efémero é eterno.

Miguel Tiago

Monday 24 June 2024

sem título

mesmo quando pensas que morreste,
independentemente de para quem julgas tê-lo feito,
permaneces. porque é indelével a marca, a impressão,
que vamos deixando nas vidas dos outros.

e o que é mais estranho é que nada deixa mais forte marca
na vida, do que a morte.

e nada ocupa mais espaço no peito do que o vazio.

Miguel Tiago

Friday 21 June 2024

sem título

sinto o teu beijo
é uma gota de água morna,
à temperatura de maio.

junto ao rio,
passam muitas gotas de água,
mas essas como fevereiro, frio.

Miguel Tiago

Tuesday 18 June 2024

vento III

esse poema do vento,
que te leva o ar do peito,
suspiro

esse fôlego perdido,
esse beijo fugaz do tempo,
vazio

levou-nos os poemas, os motes, as estrofes.
deixou-nos a poesia viva, como a mais intensa das mortes.

Miguel Tiago

Saturday 15 June 2024

vento II

sopras forte ao meu ouvido os avisos
os cuidados, sopras as aventuras e os descuidos,
e acima de tudo, levas-me no sopro a viajar.

e enquanto voamos juntos, eu e tu, vento um só.
escapam-se-me todas as palavras, como escapa o tempo
à velocidade da luz.

Miguel Tiago

Wednesday 12 June 2024

vento

não somos mais afinal que pequenas tempestades.
cada um, um tempestuoso ciclone.

e a nossa primavera, a que traz a bonança e a calmaria,
vem sempre necessariamente depois de nós.

Miguel Tiago

Sunday 9 June 2024

- sem título -

o vazio é o que mais nos enche.

Miguel Tiago

Thursday 6 June 2024

Enquanto houver


Enquanto houver noite e frios de invernos não sonhados
Serei o que tu quiseres, mesmo agasalho feito névoa
Que possa cobrir nossos corpos gelados de tanto afastamento.
Enquanto houver réstias de luar e céus viúvos de luz
Serei o que tu quiseres, mesmo farol de claridade ténue
Que nos possa guiar para além das saudades que hão-de vir.
Enquanto houver eternidade e o mais fugaz futuro
Serei o que tu quiseres, mesmo uma efémera lembrança
Que possa trazer claridade à noite que há na tua ausência.

Ricardo Silva Reis

Monday 3 June 2024

(...)

ainda sinto o teu toque ligeiro, como beijos.
ainda vejo ao meu lado na cama o teu pescoço despido,
e os lençóis ainda desenham a tua orografia, porém vazios.

ainda me escorre dos pulmões o ar como a água das torrentes,
e me fico quase morto, nunca tão vivo.

todo o momento de amor é infinto
porquanto dura além do tempo,
ou corre pleno, potente,
à margem dele.

Miguel Tiago

Saturday 1 June 2024

o vazio da pocura

quando levanto as pontas da alma à procura de volume,
sente-se apenas o vazio comburente da ansiedade.
tal como tu quando olhas para ambos os lados da rua
em busca inconsciente de alguém, que não sabes quem,
apenas encontras a resposta ecoante da tua solidão.

quando vieres procurando, não pousará o pó que te envolve.
e ninguém pode verdadeiramente ver no meio da poeira intensa,
e ninguém pode realmente ser visto no centro do furacão.

e poderás conjugar astros de jornais, deitar sortes nas linhas da tua mão,
que é certo enquanto procuras não encontrarás.

Miguel Tiago