Thursday, 30 November 2017
GUITARRA
Foram caçar guitarras
em noite de lua cheia.
E trouxeram esta,
pálida, fina, esbelta,
olhos de inesgotável mulata,
cintura de madeira aberta.
É jovem, mal voa.
Mas já canta
quando ouve noutras jaulas
entoar sons e cantigas.
Tem na jaula esta inscrição:
«Cuidado: sonha».
Nicolas Guillén
(In O Grande Zoo)
Monday, 27 November 2017
SEGADOR
Aguça a tua foice!
Na terra
que o sangue
rega e aquece,
a semente germina
e a seara cresce.
A seara está madura, segador
Aguça a tua foice!
Joaquim Namorado
Na terra
que o sangue
rega e aquece,
a semente germina
e a seara cresce.
A seara está madura, segador
Aguça a tua foice!
Joaquim Namorado
Friday, 24 November 2017
RECUSA
Convosco, não, traidores!
Que poeta decente poderia
acompanhar-vos um segundo apenas?
À quente romaria do futuro
não vão homens obesos e cansados.
Vão rapazes alegres,
moças bonitas,
trovadores,
e também os eternos desgraçados,
revoltados
e sonhadores.
Miguel Torga
Tuesday, 21 November 2017
A QUE MORREU ÀS PORTAS DE MADRID
A que morreu às portas de Madrid,
com uma praga na boca
e a espingarda na mão,
teve a morte que quis.
teve o fim que escolheu.
Nunca, passiva e aterrada, ela rezou.
E antes de flor, foi, como tantas, pomo.
Ninguém a virgindade lhe roubou
depois dum saque - antes a deu
a quem lha desejou,
na lama dum reduto,
sem náusea, mas sem cio,
sob a manta comum,
a pretexto do frio.
Não quis na retaguarda aligeirar,
entre champagne, aos generais senis,
as horas de lazer.
Não quis, activa e boa, tricotar
agasalhos pueris,
no sossego dum lar.
Não sonhou minorar,
num heroísmo branco,
de bicho de hospital,
a aflição dos aflitos.
Uma noite, às portas de Madrid,
com uma praga na boca
e a espingarda na mão,
à hora tal, atacou e morreu.
Teve a sorte que quis.
Teve o fim que escolheu.
Reinaldo Ferreira
com uma praga na boca
e a espingarda na mão,
teve a morte que quis.
teve o fim que escolheu.
Nunca, passiva e aterrada, ela rezou.
E antes de flor, foi, como tantas, pomo.
Ninguém a virgindade lhe roubou
depois dum saque - antes a deu
a quem lha desejou,
na lama dum reduto,
sem náusea, mas sem cio,
sob a manta comum,
a pretexto do frio.
Não quis na retaguarda aligeirar,
entre champagne, aos generais senis,
as horas de lazer.
Não quis, activa e boa, tricotar
agasalhos pueris,
no sossego dum lar.
Não sonhou minorar,
num heroísmo branco,
de bicho de hospital,
a aflição dos aflitos.
Uma noite, às portas de Madrid,
com uma praga na boca
e a espingarda na mão,
à hora tal, atacou e morreu.
Teve a sorte que quis.
Teve o fim que escolheu.
Reinaldo Ferreira
Saturday, 18 November 2017
O HOMEM DE CALICITO
Em Calicito há um jipe,
que é de Armando Díaz;
um automóvel azul,
que é de Armando Díaz;
a mulher mais bela da terra,
que é de Armando Díaz.
Poça pró Armando Díaz...!
Se algum dia morrer
ficam sem dono
o único jipe,
o único automóvel azul,
a mulher mais bela de Calicito.
Domingo Alfonso
Wednesday, 15 November 2017
A MÃO E O ARADO
Não
nós não estamos submersos
nem destruídos
nem sequer dispersos
ou vencidos.
O que nós estamos,
onde nós estamos,
é no chão ávido de madrugada
sedentos de irromper.
Mas só a mão e o arado lavram
o incêndio da manhã.
Francisco Viana
Sunday, 12 November 2017
CRIAÇÃO
Criar não é sonhar, mas, ao invés,
atento construir o que se sonha.
Fugir alguém ao sonho é que é vergonha,
pois sonhar é fugir à pequenez.
Armindo Rodrigues
Thursday, 9 November 2017
COLUNA
Levanta a fronte, levanta!
Que toda a gente saiba de quem é.
Não faças dela a cinza duma chama
nem planta nua dum pé
abrindo covas na lama.
Levanta a fronte, levanta!
Não faças dela espelho a descoberto
onde o quebrado corpo se despoja,
num chão intérmino e deserto
em que a dor se roja.
Levanta a fronte, levanta!
Para quê essas sombras que te inundam,
sombras roxas e lôbregas de becos?
Para quê essas rugas que se afundam
como leitos de rios secos?
Levanta a fronte, levanta!
Foi a cela que te anoiteceu
com charcos de medo e gelo?
Quem trouxe um sonho como o teu,
jamais deve perdê-lo.
Levanta a fronte, levanta!
Quem ergue a fronte, levanta a voz,
levanta o sonho num facho a arder:
Luís Veiga Leitão
Que toda a gente saiba de quem é.
Não faças dela a cinza duma chama
nem planta nua dum pé
abrindo covas na lama.
Levanta a fronte, levanta!
Não faças dela espelho a descoberto
onde o quebrado corpo se despoja,
num chão intérmino e deserto
em que a dor se roja.
Levanta a fronte, levanta!
Para quê essas sombras que te inundam,
sombras roxas e lôbregas de becos?
Para quê essas rugas que se afundam
como leitos de rios secos?
Levanta a fronte, levanta!
Foi a cela que te anoiteceu
com charcos de medo e gelo?
Quem trouxe um sonho como o teu,
jamais deve perdê-lo.
Levanta a fronte, levanta!
Quem ergue a fronte, levanta a voz,
levanta o sonho num facho a arder:
Luís Veiga Leitão
Monday, 6 November 2017
CONFIANÇA
O que é bonito neste mundo, e anima,
é ver que na vindima
de cada sonho
fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura
que se não prova
se transfigura
numa doçura
muito mais pura
e muito mais nova...
Miguel Torga
Friday, 3 November 2017
AS VOZES
o senhor administrador dentro do carro
olha de sobrolho franzido
a manifestação em frente à sede da empresa
a polícia está lá
para evitar que a gentalha se aproxime
e o porteiro
perfilado abre-lhe a porta
o senhor administrador
esfrega as mãos
sorri à secretária
e pergunta
se as cartas para os seus pares
foram enviadas e se as reserva das suites
estão garantidas
«custa um milhão» - esclarece ela solícita -
não há problema - diz ele - são personalidades políticos
jornalistas empresários nossos amigos
mas aquela gente à porta ó minha querida
já disse alguma coisa ao ministro
ligue-lhe e passe-me o telefone»
pouco depois correrias gritos tiros
e alguns dias mais tarde o
ministro - mas meu caro não sei o que lhe hei-de dizer
eles não desistem
e na manhã levantada reerguem-se as vozes uma
canção um protesto a vida
José Vultos Sequeira
olha de sobrolho franzido
a manifestação em frente à sede da empresa
a polícia está lá
para evitar que a gentalha se aproxime
e o porteiro
perfilado abre-lhe a porta
o senhor administrador
esfrega as mãos
sorri à secretária
e pergunta
se as cartas para os seus pares
foram enviadas e se as reserva das suites
estão garantidas
«custa um milhão» - esclarece ela solícita -
não há problema - diz ele - são personalidades políticos
jornalistas empresários nossos amigos
mas aquela gente à porta ó minha querida
já disse alguma coisa ao ministro
ligue-lhe e passe-me o telefone»
pouco depois correrias gritos tiros
e alguns dias mais tarde o
ministro - mas meu caro não sei o que lhe hei-de dizer
eles não desistem
e na manhã levantada reerguem-se as vozes uma
canção um protesto a vida
José Vultos Sequeira
Wednesday, 1 November 2017
MAIS TARDE SIM
Escreverei mais tarde
simples poemas claros
e falarei das aves
sem sofisma.
Escreverei mais tarde
de navios, lagunas,
das tuas roupas soltas
manchadas de luar...
Escreverei mais tarde
saudades da infância
e de pedras e rosas
sem dúbios sentidos.
Escreverei mais tarde
de um anel muito simples
e das tardes plenas
em que o amor se inscreve.
Mas agora deixai-me
chorar sobre estas lágrimas.
Egito Gonçalves
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